Décima segunda Lembrança

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- O que o médico falou? 

Não tenho tempo de fechar a porta do consultório, quando Hugo fica em pé e me aborda. Sempre foi assim, impaciente e imediatista, algo que gosto de ver estampado no seu rosto, me lembrando a vida.

- Podemos sair daqui primeiro? - peço com meu melhor sorriso

- Claro, paixão.

Atravessamos o corredor que levava a saída da clínica, o estacionamento e agora estamos andando pela rua até o nosso apartamento que fica a alguns bons minutos de caminhada daqui.

Hugo não me perguntou mais nada - lembro de como ele demorou para aprender a aplicar o meu pedido de "sempre me pergunte duas vezes as coisas" - mas o assunto da minha doença é algo que preciso ter força para começar a falar.

- Sobre o médico - ele aperta a minha mão assim que começo - é o de sempre: já está muito avançado e os tratamentos não vão fazer efeito curativo - paro e suspiro, cansado - E que depois vamos conversar sobre os cuidados paliativos. Mas, por enquanto, estou bem de saúde para alguém que está prestes a morrer

- Quanto tempo?

O encaro.

Sempre detestei o tempo. O criticava por demorar demais, por ser inconvenientemente apressado e por abençoar minhas rotinas, mas agora olhando para os olhos já vermelhos do meu marido, eu o condeno mais do que a mim.

- No máximo seis meses - falo mais comigo do que com ele.

Hugo voltou a ficar calado, mas o aperto na minha mão não diminuiu. Detesto que ele tenha ficado assim com mais frequência desde que descobri o câncer, já que ele é o único motivo que me mantém em pé.

- O que você está pensando?

- Não é óbvio? - ele parece magoado com a voz embargada.

- Não, não é - "claro que é, se tornou óbvio a meses atrás, ou quando brigamos por eu ter adiado minha ida ao médico e ter escondido tudo dele."

- Como não?! Você tá morrendo! Eu estou com medo, Teo!

- Medo de que? - eu sei, na verdade eu acho que eu sei, mas eu preciso ouvir dele.

- De te ver partir, cacete. De ver os dias passando e saber que não terá mais futuros com você. - seu corpo treme por completo, seu grande corpo de urso que vive reclamando está gordo. Ele é apenas um cara grande desde que nos conhecemos há 24 anos. - Eu tenho medo de não conseguir viver.

Voltamos a ficar em silêncio, sei que ainda restam mais uns vinte minutos de caminhada, porque acabamos de passar pelo 24h onde costumávamos comprar cervejas baratas e ruins para bebermos em casa. Era em momentos como esse que nos tornamos mais comuns e expostos um para o outro. Acho que por isso tive tanto medo de amar.

Depois que o conheci, esse medo se transformou em um pilar na minha existência. Eu não queria ser o motivo de fazer a pessoa que eu amo sofrer, de o ver chorando pelo meu nome, ou por pior que eu possa imaginar, minha morte programada. E eu sei que as coisas serão cada vez piores quando eu tiver fraco o suficiente para não estar sob os cuidados de um hospital, mesmo eu preferindo passar metade dos meus dias no nosso apartamento e no bar que construímos.

- Eu tenho medo de não sentir quando estiver morrendo...

- O que?

Acho que o assunto é delicado demais para ele, mesmo que precise ser conversado. As lágrimas que há minutos segura, agora escorrem em cascata sobre o seu rosto. Ele me abraça e eu preciso de muita força para me manter em pé quando se joga sobre mim. Deixo os soluços ecoar pela rua e agradeço que não tenha ninguém, odeio perguntas que não pedi.

Chopp de Morango com LaranjaOnde histórias criam vida. Descubra agora