Estou enrolado com um moletom dois números maiores que o meu, que cheira a café e creme, igual o que Hugo prepara às oito horas da manhã. Não está mais tão frio como a meses atrás, ao contrário a cidade parece cada vez mais abafada, mas ainda sim gosto de como essa roupa pesada e quente recai sobre o meu corpo.
Recolho os joelhos próximo ao meu peito e olho para os lados. Estou sozinho, sentado sobre um tecido fino na areia da praia, em uma noite suavemente clara, mesmo não sendo lua cheia. O vento sopra silencioso, o pouco barulho presente é do bater das ondas mais à frente, escura, cinzenta, um bloco denso de água com um horizonte pouco definido.
É uma sexta-feira monótona, mesmo que seja novidade sairmos de casa para qualquer outro lugar além do bar. Escuto barulhos vindo das pedras perto do calçadão do que acredito ser alguns ratos aproveitando a sujeira remanescente do dia. Vejo também ao meu redor alguns pedaços de plásticos, tampas de cervejas e refrigerante, e algumas "sujeirinhas" que são parte da praia naturalmente, tudo parcialmente escondido pelas sombras mais escuras da noite.
Estou absorto nos meus pensamentos simplistas, quando Hugo para do meu lado como uma sombra sobre mim.
- E aí ruivo, pronto para mais uma? - ele levanta a garrafa de vinho tinto "Gato Preto" e sorri.
- Claro - retribuo serenamente
Meu namorado senta ao meu lado deixando a garrafa entre os dois copos de plásticos que temos sobre o tecido. Como se eu fosse um simples boneco, ele me coloca sentado entre as suas pernas, distribuindo beijos pela minha nuca e me apertando com força contra o seu corpo.
Uma coisa que poucas pessoas sabem é que mesmo esse homem enorme tendo uma tolerância invejável para álcool, vinho não chega a deixar bêbado, mas extremamente sensível com uma necessidade exagerada de contato físico como se seu mundo fosse acabar pela mínima distância que coloca entre nossos corpos.
Hugo está com as bochechas quentes, posso sentir contra a minha pele.
- Paixão - ele esconde o rosto na curvatura do meu pescoço - nós já estamos indo para a segunda garrafa e você continua tenso, o que tá te deixando ansioso?
- Eu odeio como você me conhece tão bem - ele ri, beijando um ponto atrás da minha orelha me fazendo arrepiar - não pode somente ignorar isso não?
- Claro que não minha vida - Hugo distribui selares na minha bochecha - é por causa do evento de amanhã?
Aproximo mais o joelho contra o meu peito e respondo quase em um sussurro.
- É...
- E o que tá te assustando tanto? Consegue listar?
- Eu não estou assustado! - falo mais alto e um pouco desafinado, perdendo meu argumento. Não preciso virar o rosto para saber que ele tem uma sobrancelha levantada me encarando - tá bom, eu to assustado, apavorado e se der tudo errado?
- Não tem como dar tudo errado, a editora está cuidando disso e ainda hoje eles disseram que foram na livraria confirmar se estava tudo ok, então não tem com o que se preocupar.
- Mas não é sobre isso que estou falando - pego a garrafa e tirei a rolha, colocando um pouco da bebida nos nossos copos descartáveis- eu quero dizer, e se não tiver ninguém que queira me ver? Se não aparecer ninguém para um autógrafo e conversar comigo, porque ninguém leu a minha história?
- Teo... sério
- Não Hugo, me escuta - viro de uma só vez o vinho enquanto ele apoia a ponta do queixo na minha cabeça - minha história não é uma aventura, nenhuma distopia excitante, é uma leitura lenta, gradual, um monólogo sobre um homem patético procurando ser feliz...
Ele resmunga indicando que tá ouvindo
- Então ninguém pode ter lido, nem se interessar em comprar apenas porque está tendo um evento na livraria. Eu não sou um bom escritor. É claro que tudo isso vai dar errado... além de que, quem vai querer o livro de alguém que tentou se matar antes de -
- Já chega, Teodor
Ele tapa a minha boca com as duas mãos, suspiro, revirando os olhos, impaciente. Iam fazer apenas dois meses do ocorrido.
- Vou ignorar a última parte pelo bem da minha saúde mental, mas o resto você está dizendo esquecendo as porcentagens que o seu editor te passou né? A quantidade de pesquisas, vendas e toda essa parte burocrática? Além de que, você sabe que tão falando super bem de você e da sua história nas redes sociais.
Lambo sua mão, provocando uma expressão de nojo e um pequeno xingamento ao tirar da frente da minha boca.
- Sim, mas -
- Mas o que? Eu li as críticas no Twitter, Instagram, no site da editora, no Skoob e são sempre quatro estrelas para cima, com comentários positivos, muito satisfeitos e encantados com a sua escrita.
- Sério? - minha voz sai fraca, receosa.
- Eu mentiria para você, ruivo? E já tem até edits no tiktok com o seu personagem - rio um pouco, pensando que preciso confirmar isso - então relaxa que vai sim ter fãs te esperando lá, ansiosos para te conhecer que nem você vai estar para conhecer eles, tudo bem?
Hugo bebe finalmente o seu vinho e estende o copo vazio para mim, que eu encho novamente junto com o meu.
- Eu não tenho nem roupa para usar. Se eu não achar uma eu não vou de jeito nenhum - choramingo bebendo apenas um gole dessa vez
- Nem comece, isso a gente resolve facilmente, até o Ian pode ajudar, então deixa de drama Teo - ele me vira, ficando cara a cara - Você é lindo demais para precisar se preocupar com roupa.
Sorrio, segurando suas bochechas gordas entre as minhas mãos. Sua barba está bem mais cheia.
- Que romântico da sua parte admitir que me adora pelado.
- Não vou nem retrucar sua provocação, porque dessa vez você tá certo até demais, quando chegarmos em casa eu faço o favor de tirar a sua roupa.
- Ótimo
Uno nossos lábios em um beijo lento, com o gosto forte de vinho ainda presente nas nossas línguas. Um beijo de suspiros e de degustação, onde nenhum dos dois procura por mais espaço e aproveita o encaixe natural que melhora a cada momento.
Finalizo com três selinhos.
- Ô meu bem...
- Sim ... - Ele segura o meu queixo para outro beijo que tento brevemente impedir, até ceder. Minutos depois me afasto. - deixa eu falar ora!
Hugo faz biquinho. Como é manhoso alcoolizado.
- Depois você pode me mostrar os tiktoks?
- Você parou de me beijar para pedir isso? - ele me olha indignado - Vá se fuder bem muito Teo.
Ele cai de costas no chão me levando para cima do seu corpo, iniciando outro beijo, antes que consiga me recuperar, tirando deliciosamente meu fôlego.
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Chopp de Morango com Laranja
Romance"The club isn't the best place to find a lover So the bar is where I go". Menos este bar. E não que Teo estivesse procurando um amor, pelo menos não depois do que aconteceu. Mas as coisas são imprevisíveis ou apenas o universo é brincalhão, ele não...