Terceira Lembrança

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Passei a vim com mais frequência às noites ao bar. Já era um dos meus lugares prediletos na companhia dos meus amigos e até mesmo dele, mas agora vejo motivos suficientes para morar nesse estabelecimento toda vez que Hugo sai de casa para trabalhar.

Terminamos a mudança faz somente um dia. Eu estou puído, acabado, esgotado, foi uma confusão enfiar todas aquelas coisas no apartamento pequeno e bagunçado dele.

Tudo isso soa muito apressado, mas não é como se as coisas na minha vida já não seguissem esse ritmo. O convite surgiu em uma das noites que o chamei para dormir comigo no hotel. Hugo ficou completamente indignado com a ideia de eu passar mais um dia naquele cubículo com luzes amarelas, papel de parede arrancado e com cheiro de mofo.

Estava frágil, especialmente sensível, quando chamei o apartamento de "casa" pela primeira vez e entendi que ao final do dia voltaria para aqueles três cômodos impregnados por perfume amadeirado e pêssego. Hugo me abraçou até que minhas lágrimas parassem e que eu pudesse respirar diante de toda a ansiedade e o medo que me assolavam dos dias antes de o conhecer.

Na época em que dividia uma casa com alguém que me odiava entre palavras doces.

Afasto esse pensamento e sorrio lembrando do susto do meu namorado com a quantidade de cadernos que tenho guardados em uma caixa. Ele sabe que sou formado em Letras e estou escrevendo minha primeira história, mas não pensava que seria dessa forma. Tive que escutar um sermão enorme sobre "ser mais novo que ele e que nenhum avanço tecnológico poderia me machucar".

- Tá aqui ruivinho, seu choop de -

- Morango com laranja e um toque de amor - interrompo, levantando o olhar do rascunho de mais um capítulo e sorrio apaixonado.

É isso que eu estou.

Apaixonado.

Ou é isso que gosto de pensar como o verdadeiro significado de paixão. Amar alguém e me sentir tão leve que sou capaz de flutuar. O amor que não machuca, não dói, não arranha a minha pele, não me espanca deixando com lábios cortados e olhos roxos. Cresci e pensei que envelheceria rodeado de dor, sufocado até eu mesmo retirar o ar que restava.

Até o Hugo chegar e me mostrar serenidade.

- Espertinho. Tá com fome? Posso pedir umas fritas e depois, se quiser, a chef disse que hoje tem strogonoff.

- Pera aí! O bar mais popular do centro, que mistura os tipos de bebidas mais grotescas que existem - ele franze a testa - sem ofensa! Com o barman mais gostoso do mundo, vai combinar tudo isso servindo strogonoff?

- Não - responde sério e levanto uma sobrancelha - isso é porque a chef tem uma quedinha por você.

Ele faz bico e eu caio na gargalhada. O cliente sentado ao meu lado, que escuta discretamente a nossa conversa, tenta esconder um sorrisinho atrás do seu drink.

- Não me acho tão bonitinho assim, mas agradeço pela "quedinha" e aceito o strogonoff

- Interesseiro

Hugo bate o pano sujo de bebida no topo da minha cabeça, fazendo com que eu passe as mãos pelo cabelo com expressão de nojo.

- E você está com medo que roubem o seu namorado? Que fofo Hugo, não imaginava que esse tipo de coisa combinava com você.

- Ah para ruivo! - ele pega com agilidade uma garrafa de Smirnoff na prateleira, virando no copo dos três rapazes parados no balcão. Um deles sorri na minha direção e antes que possa dispensar, Hugo apoia a mão na superfície com força os afastando e olhando para mim - você adora agir como se tivesse o controle de tudo, mas sempre se perde nesses joguinhos comigo.

Chopp de Morango com LaranjaOnde histórias criam vida. Descubra agora