Por todo esse tempo

01

Livie

Minha rotina é a mesma há tantos anos que não consigo me lembrar a última vez que escolhi realmente algo que iria fazer.

Uso as roupas que minha mãe julga adequadas, trabalho na empresa do meu pai, frequento os restaurantes que dizem ser os melhores. Vivo uma vida que muitas vezes parece não me pertencer, e não reclamo nenhuma vez.

De longe eu sou a filha perfeita, a única prole do casamento de Marissa e Edgar, e como tal, devo me portar à altura se quiser conquistar o mínimo de respeito em meu próprio lar.

Mas as vezes me pego pensando: Eu ainda sei quem eu sou?

Eu sei qual o meu restaurante favorito, certo? E o carro que eu tenho fui eu quem escolhi, claro, depois que meu pai me disse várias vezes as próprias preferências.

Okay, talvez eu tenha que admitir que faço das palavras deles regras, mas todos os filhos não são assim?

Sou tirada do pensamento depois de ouvir minha mãe me chamando.

— Livie, você está pronta? Temos que sair em 10 minutos se quisermos chegar no evento a tempo. – Ela parece impaciente, então corro para pegar meus sapatos no closet.

— Não se preocupe, já estou descendo.

Respondo nem um pouco animada para o 3° evento beneficente só desse mês.

Dessa vez eu não faço ideia de para onde estou indo, mas julgo ser importante pela roupa que minha mãe escolheu para mim dessa vez, um vestido longo lindíssimo vermelho, que ela insiste em dizer que realçam meus olhos.

Não sou alta, então sempre estou de salto, herdei os olhos azuis de meu pai e os cabelos loiros de minha mãe, e todo o resto é uma mistura que me agrada ao olhar no espelho.

Encontro minha mãe no lobby e a vejo em um lindo vestido azul, mas não da tempo nem de elogiar com ela me apressando para entrar no carro.

— Por que demorou tanto Livie? Já estava tudo separado para você, precisamos ser pontuais hoje, eu e seu pai temos uma surpresa pra você. – Ela diz tudo isso em um rompante só, completamente animada, o que me deixa com um pouco de medo.

— Falando nele, onde esta meu pai? Pensei que ia com nós duas. – Falo tentando mudar o assunto e não ficar ansiosa pensando o que ela quis dizer com surpresa.

— Como sempre ficou preso na agência por mais tempo do que deveria, modelos novas estão chegando de todos os lugares do mundo – Ela responde de forma pensativa e finalmente olha para mim – Pena que você não quis seguir carreira como modelo fotográfica, infelizmente você herdou minha altura e não chegaria às passarelas, mas seria uma boa modelo comercial...

E é com esse comentário que eu ignoro totalmente todas as próximas coisas que ela diz. Ter o corpo perfeito sempre foi um requisito para a nossa família, com o meu pai sendo um dos maiores editores de moda do país fica difícil não ser julgada.

A imprensa esperava que eu fosse me lançar como modelo, e eu sempre estive magra o suficiente, bonita o suficiente, mas nunca alcancei a altura.

Com o tempo descobri que gostava muito mais de ficar por trás das produções e me apaixonei em fazer croquis. Mas gostaria que minha mãe parasse de me lembrar constantemente que mesmo com todo meu esforço, nunca serei suficiente sozinha. Me descobri fazendo faculdade de moda e indo trabalhar direto para o meu pai.

Volto à realidade quando ouço minha mãe reclamar impacientemente.

— Livie, você não está me ouvindo? Desça do carro, já chegamos.

Sem dizer mais nada saio do carro, avisto o teatro, parece que dessa vez o evento é realmente gigantesco.

— Livie, minha princesa, você está linda. – Meu pai diz depois de me olhar por 3 segundos, e mesmo trabalhando com moda tenho certeza que se perguntar a ele amanhã qual a cor do meu vestido ele não lembrará. – Venha, tem uma pessoa importante que eu gostaria que você conhecesse.

Entrando no teatro vejo como a decoração está impecável, homens de smoking, mulheres com vestidos tão luxosos e caros que seriam capazes de comprar casas no subúrbio.

Vejo um rapaz me olhar a cada passo que dou, muito bonito por sinal, moreno, alto, mas sinceramente, se eu sacudir uma árvore de Manhattan, cairão 10 como ele.

Não há nada de especial em seu olhar, mas a forma como minha família me guia em direção à ele e ele vem ao nosso encontro, entendo que é a tal pessoa importante que meu pai gostaria que eu conhecesse. E finalmente chegamos perto o suficiente.

— Uau, você deve ser a Livie, seu pai falou sobre ter uma filha bonita, mas não imaginei que seria tanto assim. – Ele me come com os olhos enquanto fala, sem pudor algum.

Sinto na hora um incômodo na boca do estômago e apenas respondo o mais educada que consigo.

— Agradeco pelo elogio, mas receio não saber seu nome.

— Meu nome é Aaron Butterfield, achei que ja saberia quem eu era devido às circunstâncias. – Ele me responde de forma prepotente com um sorriso de lado e com certeza sabendo algo que eu não faço ideia e só me deixa mais angustiada.

— E qual seria a tal circunstância para eu saber o nome de um rapaz que nunca vi antes?

— Livie, Aaron é meu novo sócio, ele irá trabalhar conosco no escritório. – Meu pai diz simplista.

— Ah, Edgar, não poupe detalhes à ela. – E o sorriso de lado está la novamente, quase que de forma sádica – Livie, minha querida. Em duas semanas eu serei o seu noivo.

— É alguma brincadeira de mal gosto? Não irei ficar noiva de alguém que nem sei o nome do meio. – Respondo já irritada com toda a situação absurda que meus pais me colocaram.

— Temos muito o que conversar, minha filha, teremos um jantar depois do evento, mas o que Aaron disse é verdade, já está tudo arranjado. – Minha mãe responde de forma tão fácil como se estivesse comprando uma bolsa da nova coleção da Channel, e não como se estivesse me comunicando que ficarei noiva.

Não escuto mais nada do que é dito, sinto que ele continua olhando para mim como se fosse atravessar minha alma. Eu ja não sei mais o que dizer. Então peço licença para ir ao banheiro e me encontro indo em direção à porta.

Não faço ideia de para onde estou indo, mas não posso ficar aqui. Aceno para o primeiro taxi que vejo e falo o primeiro lugar que penso.

— Me leve ao Central Park, por gentileza.

E o carro sai noite a dentro.