4. 𝐍𝐄𝐖 𝐅𝐑𝐈𝐄𝐍𝐃𝐒

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Essas foram suas últimas palavras antes dela desfazer o abraço e sair pela porta, me deixando sozinho naquele quarto, que agora me pertence.

Passei horas arrumando minhas coisas. Não porque eram tantas, mas sim porque, vez ou outra, eu estava parado encarando alguns pertences que me enchiam de recordações de tempos que agora são apenas memórias.

Algumas boas e outras indesejáveis. Estava tão perdido nesse pensamento que eu nem vi o tempo passar e a lua começar a se impor no céu, me mostrando que já era a hora do jantar. Me levantei rapidamente da cama, abri o guarda roupa e tirei um suéter de lã cinza e camisa de botão azul bebê, não demorou muito para eu colocar a camisa e o suéter por cima.

Dou uma última encarada no quarto, antes de sair e fechar a porta atrás de mim. Em passos lentos, eu caminho até o início da escada que ficava no início do corredor, me debruçou sobre o corrimão, mas algo dentro de mim me impede de continuar. Ele diz que eu não deveria tentar, que eu deveria apenas.. voltar.

Eu hesito até em tocar a escada, fico parado encarando o fim dela e os seus degraus. Pensamentos cruéis aparecem em minha mente, o medo se habita fortemente em meu corpo, fazendo minha respiração ficar desregulada, me sinto tonto, me sinto preso.. Talvez eu nem devesse tentar.

- Você pode me dar licença? Estou atrasado! - uma voz masculino ecoa atrás de mim, mas não vejo quem é.

Acabo tanto um sobressalto por causa do susto, isso quase resultou em minha queda, se esse ser que eu não exergo não tivesse pegado em minha mão e me puxando de volta para cima. Tudo o que eu vejo é uma sombra, uma expressão de espanto aparece em meu rosto.

- Quem está aí? - pergunto, levemente assustado enquanto meus olhos tentam ver ou achar algo explicável.

- Desculpa pelo susto! - sinto ele se aproxima. - Sou o Millard!

Um garoto invisível? Não sei porque eu me surpreendi. De qualquer forma, eu levantei minha mão em um comprimento, mas quando ele tocou em minha mão, retribuindo o aperto, me deu um pequeno susto novamente. Eu tenho que me acostumar com isso, presumo.

- Está tudo bem! - me recomponho. - Eu sou Dominic. É um prazer, Millard!

Sei que ele saiu da minha frente quando eu ouvi seus passos fazendo a madeira da escanda ranger. Segui ele com os meus olhos até entrar na sala de jantar e ser recebido com risadas e gritos de alegrias, ele devia ser muito especial. Eu posso tentar.

Eu calei as vozes da minha mente e segui em frente, devagar e com um puta medo do caralho, eu desci lentamente as escadas, tentando não fazer muito barulho. Ao descer, meus olhos foram clareados com a luz forte do lustre da sala, pude ver todas as crianças ao redor da mesa conversando e brincando umas com as outras.

Me mantive escondido atrás do batente da porta, no fundo, tentando tomar coragem para encará-las e manter alguma conversa. E de novo, aqui estou eu, fazendo 5 mil exercícios respiratórios apenas para falar com pessoas, como devo falar ou o quê, se estou parecendo bem vestido.

Como eu queria ser como essas crianças. Talvez se eu não fosse 'eu', eu poderia me encaixar melhor, talvez, assim, eu poderia conversar com eles sem nenhum tipo de atrito, sem sensações ruins ou o medo constante de ser invalidado por apenas ser eu.

Queria ser como essas crianças. Elas conversam e riam sem se preocupar com o amanhã, elas amam e perdoam seus aliados ao seu lado. Suas vidas sem um pingo de algo artificial, é tudo real. Felicidade é tudo o que tem em sua vida, sendo mostrada como um belo quadro sem erros á todos que desejam ver.

Com autoconfiança, eu me oponho sobre a porta, causando vários olhares sobre minha presença. Tudo ficou em pleno silêncio, aquilo me causou grande desconforto.. meu desejo era virar as costas e sair andando de volta para o quarto até a minha morte.

LOST BELIEF | Enoch O'Connor.Onde histórias criam vida. Descubra agora