Capítulo 1

890 64 91
                                    






"A fênix vive cerca de mil anos e conhece de antemão a hora de sua morte. Quando ela sente aproximar-se o momento de retirar o seu coração do mundo, e todos os indícios lhe confirmam que deve partir, constrói uma pira reunindo ao redor de sí lenha e folhas de palmeira. Em meio a essas folhas entoa tristes melodias, e cada nota lamentosa que emite é uma evidência de sua alma imaculada.

Enquanto canta, a amarga dor da morte penetra seu íntimo e ela treme como uma folha. Todos os pássaros e animais são atraídos por seu canto, que soa agora como as trombetas do Último Dia; todos aproximam-se para assistir o espetáculo de sua morte, e, por seu exemplo, cada um deles determina-se a deixar o mundo para trás e resigna-se a morrer.

De fato, nesse dia um grande número de animais morre com o coração ensanguentado diante da fênix, por causa da tristeza de que a veem presa. É um dia extraordinário: alguns soluçam em simpatia, outros perdem os sentidos, outros ainda morrem ao ouvir seu lamento apaixonado.

Quando lhe resta apenas um sopro de vida, a fênix bate suas asas e agita suas plumas, e deste movimento produz-se um fogo que transforma seu estado. Este fogo espalha-se rapidamente para folhagens e madeira, que ardem agradavelmente. Breve, madeira e pássaro tornam-se brasas vivas, e então cinzas. Porém, quando a pira foi consumida e a última centelha se extingue, uma pequena fênix desperta do leito de cinzas.

Aconteceu alguma vez a alguém deste mundo renascer depois da morte? Mesmo que te fosse concedida uma vida tão longa quanto a da fênix, terias de morrer quando a medida de tua vida fosse preenchida."

A conferência dos pássaros, de 1177. Por Farid al-Din Attar

++++ seis anos depois ++++

Aquela ponte aérea Nova York-Miami era desgastante e se tornou uma rotina semanal na vida de Marília, mas para ela valia mais do que a pena.

Ela caminhava pelo aeroporto com a postura de alguém de sua importância. Atraía olhares de todos por quem passava e até mesmo lhe abriam espaço. Marília estava com um conjunto social sob medida num tom claro e com um sobretudo por cima em contraste. Carregava consigo uma mala com uma muda de roupa apenas para eventualidades, porque no apartamento de sua noiva ela tinha vestuário de sobra.

Passaria lá para se trocar e deixar a bagagem, antes de se encontrar com ela no hospital aonde trabalha. Saiu ali na frente, na confusão de pessoas e carros, visualizou um táxi livre se aproximando e fez um sinal para ele parar. Caminhou até a calçada aonde o taxista estacionava.

O homem saiu e contornou seu carro para se aproximar dela, Marília informou o seu endereço e enquanto ele colocava sua mala no bageiro, ela aproveitava para se acomodar no banco do carro e selecionar uma playlist em seu celular para ouvir no caminho.

O familiar cenário da cidade lhe tirou a agitação da expectativa de chegar e trouxe uma calma que ela raramente possuía. Assim que ele parou na frente do prédio, os dois desceram para pegar a mala e Marília pagou pela corrida, para então andar até o prédio. Pelo saguão cumprimentou o porteiro e seguiu para o elevador.

Saiu no seu andar quando as portas do elevador se abriram. Foi até a porta do apartamento e deixou sua mala ali do lado. Tirou as suas chaves do bolso de dentro do sobretudo que usava e abriu a porta, pegando sua mala para entrar no apartamento. Logo que entrou e fechou a porta já percebeu a presença do bichano de sua noiva se aproximando.

Ela tirou o sobretudo e foi andando até o sofá, depositando aquela veste no encosto. A gata cinzenta miou alto enquanto se enroscava em sua perna. Marília sorrio e se abaixou para pega-la.

Firebird -  Fogo que Cura - MalilaOnde histórias criam vida. Descubra agora