Capítulo 20, norte verdadeiro.

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Folhas reviradas, pegadas esparsas que iam para o sul, um ou outro tronco raspado — detalhes sutis sendo facilmente pegos pelos olhos ágeis do rastreador, mesmo em meio à densa vegetação.

A vida de Malyen Oretsev havia virado de cabeça para baixo muitas vezes no decorrer daquele ano e, só de pensar nesse simples detalhe, ele já sentia vontade de gritar.

Arco resetado, alvo na mira e um jantar garantido. As preocupações do ex-cabo hoje se resumiam a isso: o que eu irei achar para comer?

Mal ficava pensando no tamanho de cada besteira que havia feito naqueles doze meses; decisões erradas, palavras não pensadas, desculpas não ditas, ações incoerentes — uma somatória de detalhes que o fizera ser um desertor e que no final se resumiam a uma única palavra; uma única pessoa: Alina. Alina Starkov.

Malyen não a culpava, é claro, porém algo dentro dele culpava a si próprio. Culpava e castigava de alguma maneira, com pensamentos duros e uma ansiedade interminável. Suas certezas morreram dentro da Dobra e ele jamais seria capaz de tirar Alina de sua cabeça — reluzente como o sol, salvando sua vida. Salvando a vida de todos os presentes.

Havia fugido de Poliznaya a pouco tempo. Não mais que algumas semanas, porém sua amizade e preocupação com Alina não permitiam que ele se afastasse demais, mesmo com a possibilidade de um mundo inteiro a sua disposição. O assentamento era o mais próximo de Os Alta e a partir dali ele sabia que conseguiria qualquer informação.

Mal havia escrito uma carta para Alina há mais ou menos quinze dias, conseguiu enviá-la de forma clandestina, infiltrando-a na bolsa do mensageiro em um ato rápido de passagem. Ele tinha dinheiro para pagar o envio, mas sinceramente não queria correr o risco de ser pego em um estabelecimento e tampouco gastar qualquer troco com uma carta que corria o risco de sequer ser aberta.

Ele seguia os rastros de um javali, não evitando os pensamentos melancólicos que o seguiam ao pensar que nenhum de seus colegas de batalhão estava vivo àquela altura para compartilhar da caça; Mikhael, Dubrov e tantos outros que haviam sido assassinados em sua missão de rastrear o Cervo.

Durante a noite, Maly se abrigava em um celeiro abandonado. A construção antiga de madeira já estava com o teto bastante aberto e as bases restantes para a cobertura do local jaziam muito comprometidas, mas eram o suficiente. Abrigavam-o do frio e serviam de refúgio.

O ar em volta era preenchido com um forte aroma de cedro, o clima estava abafado mesmo com a temperatura baixa, fazendo com que sua respiração se condensasse em pequenas nuvens a sua frente. A floresta já dormia e a névoa limitava completamente a visibilidade dos arredores — não que isso fosse um problema naquele instante, pois naquela altura, Mal já tinha seu javali, bastante roliço, assando na fogueira.

O cheiro de carne assada era seu maior alento naquele instante — o consolo em ao menos ter uma refeição decente em tanto tempo acalentava parte de seu mau humor e preocupação em ter uma fogueira acesa naquele lugar.

Não havia nevado nos últimos quatro dias, alguns lugares antes cobertos por um véu branco davam lugar à terra úmida em orvalho, galhos e folhas secas em decomposição, além da lama que se esparramava por todo o cenário. Um universo cinza, esperado para o inverno ravkano, e ainda sim, mesmo com todas as mudanças no ambiente, Mal tinha uma série ininterrupta de paranoias, pensando se havia apagado todos os rastros.

Ele comeu um grande pedaço do javali, cortando um pouco de sua coxa e armazenando o resto em um pedaço grande de tecido, fazendo uma trouxa improvisada para que pudesse guardar o alimento dentro de sua mochila, resgatada às pressas no meio de sua fuga em Poliznaya.

Darkness Encounters Sunshine || DarklinaOnde histórias criam vida. Descubra agora