Capítulo 19 - Por um fio

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Os ladrilhos não pareciam mais velhos ou mais gastos que no dia anterior. Seus pés também pareciam os mesmos. Lilly tinha resmungado a maior parte da noite, não tinha dormido direito por causa disso. Sally não estivera disponível para atuar como babá. Matheus estava com a garganta inflamada, ou qualquer dessas coisas que deixavam as crianças com febre e causavam muita perturbação durante a noite. Já tinha visto isso pelo menos uma dúzia de vezes, quando acordava no meio da noite e o outro lado da cama estava vazio.

Ela sempre acordava e saia da cama no mais absoluto silêncio. Caminhava com aquele passo macio e quieto até o quarto do bebê antes mesmo que ele começasse a chorar. Geralmente quando acordava, ela já tinha tudo sobre controle, estava sentada sobre o carpete da sala ou sobre a bancada da cozinha com o bebê sossegado e adormecido sobre as pernas, cantando hard rock em tom de música de ninar. Ela sempre o percebia antes que se aproximasse, erguia a cabeça, sorria e dizia: "Está tudo em paz por aqui!"

Odiava aquele corredor espaçoso e aquelas paredes frias. Odiava o silêncio aterrorizante daquele hospital. Era capaz de fazer o caminho de olhos fechados! Naqueles últimos meses conhecia melhor aquele lugar do que a própria casa. As curvas, as portas, as mesmas pessoas todos os dias e aquele cheiro nauseante de antibióticos que parecia impregnar o ar por qualquer parte que andasse. Empurrou a porta do quarto devagar, sentia-se cansado.

- Bom dia! - murmurou.

Como todos os dias, estupidamente, esperou pela resposta. Um "bom dia" mal-humorado, carrancudo, de quem era cumprimentada as sete horas da manhã quando deveria estar dormindo. Mas como todos os dias sua resposta foi o silencio. Suspirou e voltou-se devagar. Tudo permanecia exatamente igual como na noite passada.

Os aparelhos ainda estavam ligados fazendo aquele barulho irritante, ainda piscavam e apitavam no seu ritmo habitual. Caminhou até a janela e afastou as cortinas. Ainda estava inconformado com as cicatrizes. Sentia como se fosse uma violação de algo sagrado. Ao menos, sagrado para ele! Caminhou até a cama e parou, olhando para o rosto dela.

Era engraçado como parecia menos perigosa com os olhos fechados e aquele cabelo curto e naturalmente castanho que parecia não lhe pertencer. Alisou as mechas de cabelo novo e sorriu. Tinha saudade do rosa brilhante que costumava colorir aqueles fios. Virou-se e ajeitou a poltrona para sentar. Sentiu como se todos os ossos de seu corpo doessem quando se dobrou. Suspirou mais uma vez.

- Por que não abre os olhos de uma vez? - olhando-a com aflição. - Eu não aguento mais isso Luna! - suspirando brevemente. - Não tem mais graça tudo isso! Por que simplesmente não acorda? Ou se quer mesmo acabar comigo, por que não morre de uma vez? - cobrindo o rosto com as mãos e soluçando.

O que estava dizendo? Se ela morresse seria capaz de cortar os pulsos, tomar uma dose letal de um veneno qualquer ou mesmo jogar o carro de alguma ponte, sem nenhum remorso. Não teria coragem de viver nem uma hora além do momento em que ela deixasse de viver. Engoliu a saliva com dificuldade, a garganta estava ardendo e os olhos estavam doloridos.

- Sinto muito! Não quis dizer isso! É absurdo! Não quero que morra! Não quero! Quero que viva! Que volte para mim! Para seus filhos... E suas meninas! - dando um sorriso torto. - Todos morrem de saudades de você! As coisas parecem não fazer sentido sem você, sabia? - segurando a mão dela.

Afagou a mão dela por algum tempo. Olhou demoradamente para seu rosto. Era estranho ficar olhando para o seu rosto inexpressivo. Lembrava das caretas costumeiras, a expressão de ironia que parecia ser a sua habitual, as rugas que se formavam em sua testa quando estava zangada ou o modo grotesco com que torcia os lábios quando estava concentrada demais. Sentia falta de olhar dentro daqueles olhos castanhos agudos.

Noites Sem Luar - Livro II da Trilogia do Coração Onde histórias criam vida. Descubra agora