1. Milkshake.

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Agosto, 2023.
San Francisco, Califórnia

~

Anna

"Parece que você me adoçou com seu açúcar".

Foram as últimas palavras que ouvi daqueles lábios rosados em formato de "M". Na verdade, as primeiras também.

Ela piscou, levantou o canto da boca e segurou meu queixo por menos de dois segundos. E foi... embora? Quer dizer, posso não entender sobre sentimentos (quem dirá os românticos), mas paquerar alguém que derruba um milkshake e um fondue de chocolate em cima de você, com certeza significa loucura. E loucura tem seus sinônimos.

Só pra constar, esse "alguém" sou eu - um cavalo numa loja de cristais. Pra mim, é simplesmente muito difícil entrar em qualquer lugar sem bagunçar tudo. É como um dom natural. E, quando se tem dezoito anos, não é nada fácil escolher entre ser espontânea e ser comportada.

Tenho três principais fraquezas: insetos, ruídos agudos e... olhares penetrantes. Naquela lanchonete, naquele fim de tarde fresco, tocando "American Woman" do lendário Lenny Kravitz no rádio... tudo isso, e ainda a garota do casaco verde-oliva me atravessando com os olhos castanho-escuros. Eu podia jurar que o relógio tinha paralisado. Ao ver minha senha na tela, me aproximei do balcão, peguei meu pedido, virei em direção à mesa e caí no espaço. Milhares e milhares de estrelas cintilando à minha volta. Então olhei pra cima, e...

Ah, não. Não, não, não.

"M-me desculpa! E-eu tropecei", lamentei.

Ela lançou um sorrisinho torto:

"Parece que você me adoçou com seu açúcar".

É o quê?!

Embora dessa vez eu fosse freguesa, já trabalhei nos mais diversos Cafés e Fast Foods e passei pelos maiores chiliques neuróticos de derrame de bebida da história da humanidade. Sei o que uma mancha de café representa para uma roupa nova. Por isso, demorei a processar a informação de que a tal garota não tinha se irritado com o acidente. Isso me chamou a atenção. Inclusive porque o meu vestido tubinho azul não sujou metade do quanto sujaram os bolsos do casaco vintage dela.

Ela só se limpou com alguns guardanapos, me ajudou a levantar, pegou um suco no balcão e caminhou porta afora em um ritmo perfeitamente equilibrado. Seus cachos se agitaram com o vento da rua barulhenta, levando meu raciocínio a um completo estado de choque.

Prefiro não admitir que houve uma onda de sentimentos confusos para não parecer que eu realmente acho que a minha vida é algum tipo de série adolescente de Hollywood. E eu não acho. Mas, sabe... é divertido brincar com o improvável.

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