19. PowerPoint

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Anna

Beijo.

Foi o acaso de um beijo, e então tudo veio à tona: o mais inesperado dos infortúnios, mesmo quando no início pensei ser apenas mais uma narrativa engraçada, mais uma sequência de aventuras atípicas e ironicamente divertidas. Mas, ao fim do dia, Lia saiu de coração partido.

Olho a tela do celular:

Segunda-feira, 11 de setembro - 06:13.

Desde sexta-feira, não tive mais notícia de Lia. Verifico a última mensagem que enviei:

*Anna*

> Sáb. 9/09

[17:48] > Eu sinto muito

[17:48] > Se quiser conversar, estou aqui

Sem resposta.

Minha cabeça está tão dispersa nas nuvens, que hoje estou vestindo um short jeans vermelho, uma blusa listrada de preto e branco e um par de meias brancas três quartos com estampa de estrelas pretas. Ah... Me perdoe, Miranda Priestly, o diabo realmente veste Prada.

Estou sentada à mesa de café da manhã, com um prato de torradas integrais cobertas com geleia de damasco e uma tigela de amendoim japonês postos à minha frente. Meu pai se apoia na beirada da pia, enquanto espera a cafeteira preparar nossas xícaras de expresso forte. Nada como café pra espantar a espessa neblina que é a minha mente neste momento.

"Se divertiu na sexta-feira, Anny?", ele se volta para mim, com a voz tão calma que sinto uma textura aveludada.

Dou uma mordida na torrada.

"Eu...", hesito, de boca cheia. Não consigo conter um sorriso, enquanto lembro das minhas mãos agarradas à cintura de Lia, na estrada, "Sim... bastante."

Ele ergue uma sobrancelha:

"Certo... e eu sou o Michael Jackson."

"Pai...", solto uma risada contagiante que nem eu mesma esperava. Meu pai é daquele tipo de pessoa que não ri da própria piada, e isso acaba comigo. Não dá.

"Me diverti, sim.", continuo, "Só foi... imprevisível."

"Hum...", ele pega uma xícara e bebe um gole do café, "Algo como derrubar guacamole no cabelo de uma idosa na praça de alimentação..."

"Passou longe", sorrio de canto, pegando a xícara que ele me entrega, "Mas boa tentativa."

"Qual é, Anny..."

"É que foi tudo tão... rápido... e absurdo... que ainda me parece um sonho confuso, daqueles em que você vê uma girafa voando, ou um submarino cruzando uma avenida."

"Se você está usando metáforas, é porque a coisa foi tensa.", ele se senta ao meu lado.

Papai é meu amigo, mas... simplesmente não posso contar todos os detalhes. Qual seria a reação para 'sua filha andou na garupa de uma moto roubada'?

"Lia... perdeu sua avó.", prossigo, "Ela chorou... chorou tanto, que suas lágrimas pareciam queimar o rosto". Nesse ponto, minha voz torna-se gradualmente rouca. Forma-se um nó na minha garganta: "É extraordinário... não faz um mês que nos conhecemos, mas é como se a sua dor também me ferisse por dentro."

"Minha nossa, Anny...", papai apoia uma das mãos no joelho, enquanto põe a outra no meu ombro, "Que infortúnio...".

Um breve silêncio se segue.

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