14. Fantasia

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Lia

Quinta-feira.

"Senhorita Lia Jones...", uma voz grave se dirige a mim, "presa por roubar uma Harley Davidson FXB Sturgis".

O quê?!

"Vamos fechar em...", uma forte batida ressoa, "prisão perpétua."

E, caindo de bunda no chão, eu acordo. Minha testa exalando suor. Levanto e tiro o cabelo do rosto.

Solto um longo suspiro de alívio. Não faz nem 24 horas que eu peguei a Harley emprestada, e já estou sendo perseguida por assombrações jurídicas.

Não consigo deixar de pensar no quanto aquele sonho foi ridículo: quem é condenado a prisão perpétua por roubar uma moto? Sim, é ilegal, mas não é como se eu fosse alguma espécie de Jeffrey Dahmer e colecionasse crânios no meu quarto e polaroids de pessoas mortas na minha gaveta. Aliás, aquela batida era... um malhete?!

Olho para o relógio na parede:

11:27

Aproximo-me da maca, me abaixo e observo minha avó, com a expressão despreocupada de sempre. Sinto meus músculos descontraírem ao me certificar de sua respiração: ela inspira... e expira. Lentamente, como um anjo em repouso. Jogo a cabeça para cima, olhando para o teto, transparecendo um sorriso sincero de alívio e retendo comigo as lágrimas que durante a noite inteira ameaçavam saltar-me dos olhos. Minhas pálpebras ficam mais leves.

Minha atenção, então, é tomada por três batidas na porta:

"Serviço alimentício para Clementine Jones!", ouço do outro lado.

Em um pulo, fico de pé.

Logo em seguida, uma enfermeira alta, de cabelo Black Power com luzes, cujo jaleco verde-água contrasta com sua pele escura brilhante, caminha porta adentro. Uma verdadeira deusa.

"Bom dia!", ela se dirige a mim, sorrindo.

"Bom dia!", devolvo o sorriso, "Como ela está? Algum retorno dos exames?"

"Bem...", ela coloca uma bandeja com o café da manhã em cima da mesinha branca, "Sua avó tem um forte quadro de hipertensão. O que ela teve foi um mal súbito, muito comum em idosos com essa tendência."

Minha respiração fica pesada. Sinto-me estremecer a cada expiração.

"E ela teve alguma melhora?"

"Hum...", ela morde o lábio inferior e franze o cenho, "Ainda não registramos nenhuma. Assim que tivermos mais resultados, a senhorita será avisada."

"Certo."

Depois de ter organizado a tigela de sopa ao lado dos três frascos de medicamento, ela se dirige à porta: "Meu nome é Maya, qualquer necessidade pode me chamar.", e deixa a sala em segundos.

Volto meu olhar para vovó. A primeira coisa que me ocorre é que Clementine Jones tem uma história e tanto. Não é de se contar nos dedos a quantidade de aventuras vividas que fazem dela a mulher mais admirável que conheço. Transparecendo as heranças dos meus bisavós, exímios cozinheiros italianos, Clementine sempre prepara as melhores massas, e aquele molho pigmentado com temperos únicos que, combinados, permanecem gravados como ferro no meu paladar afetivo. E, quando Jonathan e eu éramos pequenos e não queríamos comer, ela disparava um alto e claro "Mangiare!", gesticulando com as mãos.

Deitada diante de mim, está uma escritora de haicais confusos, cozinheira de massas esplêndidas, minha companheira de filme nas noites de sexta-feira e o abraço materno que me acolheu quando pensei não ter mais ninguém.

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