22. Vinho

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Lia

E então, desligo o telefone.

Odeio deixar Anna de lado, ainda mais por causa de algo... assim. Coloco meu celular sobre a mesa de centro, cruzo os braços e a olho com profunda seriedade:

"Não me chame de Lily."

"O quê? Mas nós sempre te chamamos..."

" 'Nós'? Que estúpido! Não seja ridícula! O Jonathan me chama assim!", me levanto do sofá e ando em círculos pela sala de estar, gesticulando, "Você não me chama assim! Você..."

Não achei que fosse tão difícil pronunciar estas palavras... porque nunca tive a oportunidade de dizê-las. Agora sei.

"Você nunca sequer esteve aqui...", continuo, à medida que minha voz se dissipa gradualmente, "nunca... sequer ouvi qualquer palavra carinhosa vinda de você. Não venha querer escrever um final feliz pra esse livro de terror que foi a sua ausência nas nossas vidas."

"Não me subestime.", ela responde, com um sorriso malicioso.

Fria e direta, como sempre. Assim é Olivia Foster. 'Por que não Jones?' - bem, é só um pseudônimo para Cecilia Jones, a filha mais nova de Clementine. Afinal, não se costuma circular livremente por aí com uma identidade à mercê quando se é procurada pela polícia, não é?

Em um gesto de indiferença crônica, pego uma caixa de cigarro do braço do sofá e acendo um, me entregando ao meu hábito casual de terapia nicotínica.

"Eu vim com um propósito.", ela se levanta do sofá e ligeiramente pega um cigarro da caixa que eu seguro, tirando o isqueiro do bolso com suas unhas pretas em formato stiletto e me acompanha no processo. Após tragar uma vez, ela continua:

"Eu vim buscar o Jonathan."

O quê?

"Como assim? Ele não vai sair daqui, ele é meu irmão!"

"Pela lei, ele está na faixa etária vulnerável. Ele deve estar sob cuidado dos responsáveis legais."

Por um instante, meus sentidos adormecem. E tudo em que consigo pensar é no quanto eu sou terrivelmente parecida com ela: os cachos, a boca em formato de "M" e... a expressão permanentemente sarcástica. Uma verdadeira sequência de 'Ctrl C' e 'Ctrl V'.

"Se eu fosse você, tomaria cuidado com o que fala. E com o que faz.", praticamente sussurro, me aproximando dela para fazer se assemelhar a uma ameaça.

Ela me fita com um olhar indecifrável. Só agora penso sobre o quanto é estranho desconhecer a pessoa que guarda consigo a minha origem.

"Lia...", ela traga mais uma vez e caminha lentamente pela sala, "Sabe quem te deu esse nome?", ela se vira para mim, "Sua avó. Ela nunca foi isso tudo de mãe pra mim e para os meus irmãos, nunca se importou muito em mostrar o bom caminho. Já com os netos, ela era baba-ovo."

"Trate de respeitá-la. Ela fez o que pôde, você que nunca aproveitou as oportunidades que ela te deu."

"Oportunidades?", ela ri, "Quero saber se vender drogas ilícitas soa como uma boa 'oportunidade' pra você."

"O quê? Que besteira você está falando?"

"Não é besteira!", ela praticamente grita, e se aproxima de mim segurando meu maxilar com força entre as unhas pretas, "Ser forçada a trabalhar com venda de drogas ilícitas aos doze anos de idade, isso... não é besteira."

Sinto meu sangue gelar. Clementine nunca faria... isso. Nunca faria, não é?

"Minha avó nunca faria isso." Ela aperta ainda mais os dedos contra meu maxilar.

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