21. Garoto

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Anna

'Querido diário,

Há quem diga que isto é um tanto arcaico, ou não inteiramente adequado em dias de tão frequente uso de tecnologias, mas ainda considero vital ter um diário. É um refúgio literário ao qual posso dedicar milhares de pensamentos e dores quase sempre incompreendidos.

Os dias têm sido... intensos. As horas, insuficientes. E minha admiração por Lia se estende a cada instante como o fluxo de um rio contente. Ela é... não sei. Algo entre um penhasco infinito e uma macieira com maçãs docinhas. Quando estou ao lado dela, sinto que corro perigo; um perigo tão rico em adrenalina, que meu coração se decide por correr riscos, sem qualquer gesto hesitante. São tão fúteis estas palavras que comigo guardo, mas apenas nos meus textos secretos, eu as escrevo:

Eu a amo. No estilo Bonnie e Clyde.

Estou procurando o momento perfeito para dizer isso a ela, mesmo que, de uma perspectiva filosófica, eu ache que realmente não exista um momento perfeito. Acontece que meus princípios me ditam, e não consigo contrariar minha terrível mania de seguir tudo à risca. E dar tempo ao tempo.

Quanto aos demais contextos, é com espanto que digo que Boyce Allen voltou ontem do interminável intercâmbio de dois meses na Espanha. Deve estar se perguntando: "o que há de tão absurdo nisso?". E eu me faria a mesma pergunta, meu caro, se não fosse pela intrigante coincidência de que Brandon Myers voltou da suspensão semana passada, depois de ter se afastado por mais de dois meses da escola por causa do escândalo audiovisual que revelava mais do que o necessário por baixo daqueles jeans descolados e caídos o suficiente para a faixa da cueca Calvin Klein ficar à mostra.

Há pouco mais de dois meses, Nick me encontrava na sala de informática, suado feito um leitão, pálido e com os olhos tão arregalados que pensei estarem prestes a saltar pra fora. Foi naquela segunda-feira de Setembro, tão pacífica quanto uma colisão de placas tectônicas, que descobri que Loirinho Allen havia apanhado. Feio. É claro que, logo que ele me contou, minha acusação interna sobre o Myers me surgiu na mente, mesmo antes de Nick dizer os detalhes. Nós o levamos até a enfermaria e os cuidados foram feitos. Mas tinha um hematoma na barriga, que minha nossa senhora... Wendy teve de fazer cinco curativos seguidos nessa ferida, porque não parava de sangrar. Como pode uma maldade desse tamanho? O Brandon faz a merda e manda os outros limparem por ele. Francamente, isso me enlouquece, e a única coisa que me impediu de tirar satisfação com aquele folgado heterotop foi a suspensão dele (que, até hoje, não entendi o porquê de não ser expulsão. Deve ser por causa da bolsa de estudos que ele tem por ser o líder dos três times mais importantes de basquete do colégio). Que merda.

E o mais importante... tive que contar ao Nick sobre o Allen, ou melhor, sobre a participação calorosa dele no vídeo. Nicholas é um tanto ingênuo, pelo menos para algumas coisas, mas ele não é besta, já começou a achar tudo muito estranho quando o Boyce disse ter apanhado do Myers. Bem, no caso, o Brandon não foi nada inteligente. Tipo, quem bate no cara com quem transou logo depois de ser exposto numa situação daquelas? Qualquer um desconfiaria. Mas, pelo bem da minha saúde mental, agradeço aos céus pelo caso ter sido encerrado no colégio, já que praticamente desistiram de descobrir quem gravou o vídeo, e também não insistiram muito em tentar desvendar quem era o outro cara por trás. Então, a barra está limpa.

Nick ficou muito abalado, dormi um dia na casa dele pra fazer a sessão cinema, que é uma das únicas coisas que poderiam animá-lo. Fiz pipoca com caramelo nesse dia, parece ter funcionado bem. Embora ele tenha ficado chateado e claramente decepcionado com o Allen, sinto um sincero instinto de que ele ainda tem uma paixão oculta e permanente. Tipo... acontece, né? Qualquer um poderia ser flagrado fazendo sexo em uma sala do colégio...

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