Capítulo Sete

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Uma combinação estranha de exaustão, irritação e culpa foi a força que motivou James a entregar o leme a Marlene Mckinnon e descer para ver como estava o tripulante repentino, Regulus Lovegood. A exaustão era óbvia, já que ele não dormira nem três horas.

Estava irritado consigo mesmo.

Tinha passado a manhã inteira de mau humor, rosnando ordens e descontando sua frustração nos tripulantes, mesmo que nenhum deles merecesse.

A culpa... bem, em realidade, era justamente ele o culpado pelo seu mau humor. Ele sabia que o melhor para Regulus era ficar confinado à cabine, mas não conseguia se esquecer da dor no rosto dele ao implorar, na noite anterior, para ir ao convés.

Ele estava sofrendo de verdade, e James não conseguia deixar isso de lado porque sabia que, se estivesse no lugar de Regulus, estaria sofrendo da mesma forma.

A empatia inesperada o deixara irritado.

Ele não tinha motivo algum para sentir remorso por deixá-lo trancado. Mão era culpa sua que ele tivesse ido parar naquela maldita caverna.

O lugar mais seguro para Regulus seria em seus aposentos. Era a decisão certa e racional a se fazer. Ele era o capitão e sua ordem não podia ser questionada.

Contudo, toda vez que tentava retomar o trabalho do dia, sua mente era invadida pela lembrança do rosto triste de Regulus.

— Mas que diabos! — resmungou, ao que não conseguia lembrar-se o que iria fazer acima do convés. James passara maior parte do dia distante, ele ficou ali, parado, com a mão sobre o cordame do navio, dividido entre pensar em Regulus e xingar a própria incapacidade de parar de pensar em Regulus. Por fim, afastou-se das cordas, soltando uma série de palavrões tão vulgares que um dos seus marujos se afastou discretamente, de olhos arregalados.

No fim das contas, cedeu à culpa e decidiu ir ver como Regulus estava. Morrendo de tédio, certamente. Ele notara o livro que ele estava lendo na noite anterior.

Métodos avançados de navegação marítima.

De vez em quando, ele mesmo dava uma lida no volume – sempre que estava com dificuldade para dormir. Nunca falhava, e em menos de dez minutos o capitão já estava no mais profundo sono. Ele tinha encontrado algo muito melhor para Regulus, um romance que lera uns meses antes e depois emprestara para Marlene Mckinnon. A mãe do capitão, Euphemia, tinha gostado muito. Na verdade, tinha sido um presente da própria, então ele achou que Regulus poderia gostar.

Ele então desceu até a cabine, já imaginando o olhar de gratidão de Lovegood pelo magnífico presente.

Só que...

— Mas que porr-

Regulus estava sentado no chão com as pernas esticadas, encostado na porta da cabine. No corredor, lugar onde, claramente, ele não deveria estar.

— Foi sem querer — falou Regulus descontraído, enquanto observava suas unhas.

— Levante-se daí —  ralhou o capitão.

— Não, obrigado. Estou muito bem aqui, no sol. Ouch! Você não tem o direito de fazer isso. — protestou ele, levando um susto quando James agarrou o pulso dele e puxou-o para cima. — Eu queria apenas ver o que tinha do outro lado da porta! — ele cruzou os braços. — Se o capitão bem se lembra, cheguei aqui dentro de uma saca. E quando o navio se mexeu... bem, foi mais para uma virada, bastante violenta inclusive, fui arremessado na parede.

— E a porta se fechou... — concluiu o capitão, desconfiado.

— Sim! — exclamou Regulus, sem perceber a dúvida no tom de voz do capitão. — Foi exatamente o que aconteceu. E eu nem tive a oportunidade de tomar meu chá!

Ele o encarou, perplexo. Chá? Sério mesmo?

— Quase chorei. — confessou Lovegood. — Mas não o fiz, sabe, apesar de tudo...

— Você me desobedeceu. —  disse ele, curto e grosso. — Fui muito claro quando o proibi de sair da cabine.

— Mas foi o navio que se mexeu!

— O que é mais do que esperado — resmungou o capitão. — Não sei você notou, mas estamos no meio do oceano.

Regulus contraiu os lábios em resposta ao sarcasmo dele.

— Não estou familiarizado com navios. — retrucou, entre dentes. — Não esperava um tranco tão violento.

James suspira.

— Volte para a cabine.

— Sabe de uma coisa? — James respirou fundo. Ele poderia esgana-lo e joga-lo no mar, ninguém notaria. — Eu prefiro ir ao convés, estou cansado de ficar trancado nessa coisa.

James se inclinou para cima de Regulus de forma ameaçadora e falou no mesmo tom gélido.

— Você não pode estar falando sério. Regulus, entre na cabine e feche a porta! Isso é uma ordem.

— Capitão, você só dá ordens a seus marujos, e acredite, eu nunca obedeceria uma ordem sua. Agora, se me der licença... — passou por James, que franziu o cenho. —  Estou bastante curioso para saber como é o convés.

Para a surpresa – e desespero – de James, Regulus subira às escadas até o convés. O mais velho grunhiu, Regulus estava pedindo para ser jogado ao mar.

Na verdade, Regulus parecia implorar, para ser jogado ao mar.

Por Deus, o que esse garoto estava pensando, afinal?

— E com bastante fome, aliás. — James fechou os olhos por alguns segundos, soltando um alto bufar.

Ninguém notaria...

James o seguiu escada acima, o rosto do capitão estava sério. Enquanto olhava ao redor. Para a sua sorte, ele lembrara de que havia permitido que os marujos tomassem o café da manhã na cozinha. O convés estava vazio e Regulus apenas olhava ao redor, passando seus dedos finos na madeira do mastro.

Com um suspiro, James se aproximou do garoto, segurando seu braço, de forma mais delicada que já fizera.

— Volte para Cabine. — por Deus, James sentiu-se Euphemia dando-lhe um sermão para que saísse da chuva. Podia até sentir a presença de sua mãe lhe puxando a orelha e dizendo que acabaria doente se continuasse daquele jeito. — Por favor. — acrescentou.

Regulus ficara boquiaberto, surpreso não apenas pelo suave – e repentino – toque, mas pela velocidade em que o capitão James mudara seu tom de voz. Aquilo até fez Regulus sentir-se tonto.

Ou talvez fosse pela fome que sentia, ele não saberia dizer corretamente o motivo.

— Eu... Tudo bem.

Regulus o observou por um momento, e então com um baixo suspiro, descera novamente às escadas com o Capitão James ao seu lado.

A porta da cabine fora aberta, e com cuidado – não sabia exatamente o motivo, mas algo lhe dizia que convinha fazer tudo no maior silêncio possível.

— Sente-se. Você precisa se alimentar. — Regulus lhe dera um aceno rápido, e então se sentou e levantou a tampa da bandeja. Ovos, bacon, torradas, pães e chá.

Gelados, é claro.

Decidira comer sem reclamar, havia sido culpa sua acabar sendo trancado do lado de fora da cabine, afinal. Os ovos e o chá não estavam tão apetitosos, mas a os pães, torradas e bacon pareceram reagir bem ao esfriamento.

Look After You, starchaserOnde histórias criam vida. Descubra agora