"Incômodo. Desconfortável e agoniante. O café é amargo demais, o que me obriga a derramar meia tonelada de açúcar na xícara. As pessoas... Elas conversam alto demais. Não lembrava que conversavam alto assim..."
A garota pensa, enquanto gira uma pequena colher de plástico na xícara, misturando o açúcar.
De frente para o balcão, ela encara, vidrada, o nada. Absorta nos próprios pensamentos, ela presta atenção em tudo a sua volta. Criticando e analisando cada detalhe.
A disposição para tal, provém da explosão de experiências que ela sente, "relaxando" em um ambiente supostamente calmo e socializavel: uma lanchonete. Uma lanchonete nova, que ela nunca entrou, em um país que ela nunca esteve, com pessoas que ela nunca viu.
"Pessoas... Não lembro a última vez que vi tantas pessoas nesse estado... Felizes. Calmas. Estressadas com coisas... Diferentes. Trabalho, escola, romances..."
Apesar da estranheza, a garota entende a língua e é familiarizada com a cultura local.
"É óbvio. Não é a primeira vez que entro em uma lanchonete. Ou que vejo japoneses. Só faz... Muito Tempo."
A garota pigarreia com o último pensamento e engole os últimos resquícios do café horrível em sua frente.
O gosto amargo na boca não é uma experiência nova. Mas é desagradável beber isso quando poderia estar se divertindo, bebendo um refrigerante ou um chá - possivelmente muito melhor - com algum conhecido.
Um sorvete, talvez. Um milkshake de Morango com Ninho Trufado, como o da garota da mesa vinte e quatro, na janela.
Ou quem sabe provar um de uva com Cappuccino, como o do garoto, acompanhando ela.
Parece ser delicioso, embora ela não lembre o gosto de nenhum dos dois sabores. Delicioso também é uma palavra estranha pra ela... Convencionalmente, qualquer coisa melhor que o café já seria delicioso, até água pura.
Mas ela segue pedindo mais uma xícara. Independente do gosto, ela não tem intenções de para de beber aquilo, ou pedir algo melhor.
Talvez seja o medo, de gostar de algo. Já está acostumada com expectativas baixas e coisas ruins. Um sabor horrível não é sequer um problema, agora. Só não quer entrar mais fundo em "águas misteriosas".Na verdade, a conversa do casal do milkshake, ao fundo entre o falatório geral dos demais clientes, parece valer muito mais sua atenção.
Os dois discutem coisas fúteis de adolescentes. Sorriem e riem, como se estivessem tendo um bom momento. Um encontro, talvez? Pelas vagas memórias dos tempos de interação social e a experiência inexistente puramente intuitiva, não parece ser o caso. Talvez apenas dois amigos conversando, saindo juntos; Em um anoitecer pós colégio; Em uma lanchonete de esquina no centro de Tóquio; Beem longe da escola e do caminho de casa.
Informações essas que a garota não tem, mas acredita que sabe. Que acredita estarem guardadas lá no fundo da cabeça dela e que isso faz sentido, mesmo sabendo que nunca esteve aqui, neste país, ou que nunca conversou com nenhum dos dois.
Talvez o único ponto que faça esse palpite intrusivo funcionar, na cabeça dela, seja o fato de que ela conhece os dois jovens.
Em teoria, ela conhece eles. Na prática, não é bem assim, e disso ela sabe muito bem. Por isso está parada, sentada de frente ao no balcão e se escondendo dentro de um capuz verde-musgo, tomando todos os tipos de café da casa enquanto martela o que fazer e observa, discretamente, os dois conversarem sozinhos.
O garoto, é - ou deveria ser - Adriãn. É como se lembra dele. A garota, é uma versão menor e mais nova sua: Olhos claros e azuis estonteantes; Cabelo curto e dourado, indo de raízes castanho-escuros para pontas loiras; um pequeno nariz arrebitado e um sorriso encantador que faria qualquer homem se apaixonar.
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Coroas Malditas: Crônicas Da Guerra e Da Paz
AdventureNo início, era o Vazio. E o Vazio era belo. E o Vazio resolveu ser. E assim se tornou Ser. E sendo algo, se tornou conceito, significado. O Vazio se tornou Medo. E preencheu a Existência. O Vazio se tornou Guerra. E perseguiu o Medo. O Vazio se torn...