Dúvidas e Anseios - 06

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   Do topo de um edifício, é possível ver a explosão de cores no céu. O azulado escuro, natural, se mistura com as cores brancas e espectrais das estrelas, formando leves tons violetas e amarelados. O ambiente noturno se destaca também pela ausência, incomum, das luzes artificiais da grande metrópole de Tóquio.

   Ao mesmo tempo, a cidade é sutilmente banhada com clarões intermitentes que brilham e se apagam, acompanhadas de sons altos e distantes de explosões, apregoando mais medo e terror à Terra. Os pulsos luminosos se distanciam à medida em que percorrem os céus. Mas ainda estão próximos o bastante para serem temidos.

   Olhando com mais atenção, é possível ver um ponto luminoso específico descer à floresta de concreto, sendo escondido pelos edifícios de onde mais feixes de luz surgem. Eventualmente, o evento volta aos céus, realizando o trajeto mais de uma vez, como se estivesse consciente. Feixes verdes irrompem o céu, acompanhando o ponto luminoso transitante.

   Nas sombras, uma criatura observa ao longe o fenômeno, em silêncio. Na escuridão, é possível notar somente os tecidos e trapos com a qual o ser se veste, além de uma coroa prateada sobre sua cabeça, já que seu rosto está obscurecido sem uma iluminação decente. Mas também há partes mais sólidas, similares a uma armadura, talvez europeia, recobrindo certas partes desprotegidas pelos panos.

   Ela assiste aos feixes de luz irradiados ao longe, muda e imóvel. Sua cabeça então pende para os lados, virando para conceber o restante do ambiente à sua volta. Ela gira sobre si mesma, fazendo uma volta completa, bem lentamente, absorvendo as informações captadas por seus sentidos. Sentidos estes que são mais apurados do que o que se entende popularmente como sendo "sentidos comuns". Ela se situa, mesmo de olhos vendados, sobre o que ocorre à sua volta.

   Mas mesmo compreendendo os acontecimentos atuais, ela não parece segura. Na verdade, após sair das sombras em sua andança em exploração, sua expressão insciente denuncia certa insegurança e duvida em seu ser. A presença confiante e prepotente de minutos atrás se desmancha a cada segundo passado, tornando a criatura cada vez mais miserável visualmente.

   Por fim, ela leva as mãos ao hijab e ao pano que sela seus olhos, retirando ambos. Seus olhos azuis celestes se abrem finalmente, contemplando diretamente a noite, enquanto seu cabelo loiro cacheado finalmente se liberta, respirando novamente o ar sereno e fresco do ambiente.

   Apesar de brilhantes, seus olhos estão caídos, emanando tristeza. Ela solta os panos no chão, deixando-os a "Deus dará", enquanto olha mais uma vez o Céu.

   "Qual a razão de salvar alguém...?" Ela se pergunta. "O mundo está acabando mesmo... se vão morrer agora ou depois... por quê agir? Eu não entendo... não ME entendo. Eu não sou uma heroína. Não sou alguém capacitada para... para nada. Se dependesse de mim, aquele homem teria morrido. Em nenhum momento eu tentei interferir. Não quis proteger ninguém e... se não fossem os meus poderes, estariam todos mortos... todos mortos. Enquanto isso, eu, por meus poderes, vago perdida, morta, sem um objetivo. Minhas mãos pesam e quero a espada de volta... quero voltar a estar satisfeita, mesmo que meu único prazer seja matar. Mas isso não está certo... está...?

   "Eu não tenho uma casa para voltar, nem alguém para me ajudar. Estou sozinha, com um dilema que não parece ter solução. Não sei quem eu sou mais, nem o que eu quero... só... só queria uma direção! Um caminho, um guia! Qualquer coisa serve... qualquer rumo ajuda quem não sabe para onde ir..." - Ela olha para as próprias mãos - "...E quanto mais tempo passo nesse mundo, mais eu tendo a me tornar esse monstro...".

   Ela mantém os olhos fixos nas mãos à sua frente, ignorando o resto do ambiente. Sua respiração, antes densa, já não deixa mais nenhum resquício de condensação. Sequer deixa sinais de que ela está, de fato, respirando. Ela está quieta, absorta. O tempo passa e ela nem parece perceber. Seus olhos desfocam e suas mãos lentamente descem à altura da cintura. Ela contempla, inconscientemente, o vazio, sem um pensamento específico em mente.

Coroas Malditas: Crônicas Da Guerra e Da PazOnde histórias criam vida. Descubra agora