A garota permaneceu no chão por vários minutos. Ela não saberia dizer quanto tempo passou sentada, abraçando o joelho e remoendo as mágoas. Mas não se passou muito. Logo, ela se recompôs e esperou as lágrimas secarem para se levantar.
Não faz sentido ficar parada, pensando no passado. Não faz sentido se doer assim.
"Eu preciso sair daqui... Ir pra algum lugar melhor, mais tranquilo..."
A garota pensa, enquanto se levanta. Ela termina de limpar o rosto com a manga da jaqueta.
Seus olhos focam no ambiente iluminado e movimentado da rua à sua frente. Tudo o que ela NÃO quer é interagir com outras pessoas, no momento. E passar pela multidão sem um local em mente para ir, parece um saco...
Não é como se ela ligasse para a presença de outras pessoas ou se importasse com suas opiniões sobre ela. Mas ela não se sente confortável em interagir ou sequer compartilhar um espaço com eles. Ela não quer exatamente ficar sozinha... Só não quer especificamente estar junta de outras pessoas.
Incomodada, faz mais sentido, pra ela, se voltar novamente para a parede em que se escorava a poucos segundos.
Seus olhos se fecham e ela suspira em um misto de desaprovação e preparação. Quando os abre novamente, a parede começa a se partir. O concreto cinza, antes perfeitamente plano, inicia um processo estranho de deformação e cristalização: Seu material se parte de fora para dentro, estilhaçando não como o material cimentado que deveria ser, mas como se fosse feito de vidro. Suas cores e texturas também vão perdendo o efeito original conforme tomam o parecer de um portal, lentamente escurecendo até o centro, alterando entre algum tipo de reflexão e sobreposição de si mesmos que culminam em um centro totalmente negro e sem textura.
Depois de encarar por alguns segundos, sem expressão, a anomalia que criara, a garota avança para a escuridão do portal, atravessando o breu e desaparecendo nele. Atrás de si, a parede lentamente volta ao seu normal, como se nada houvesse ocorrido.
Do outro lado, a garota sai da parede como de um espelho. O cenário espelhado é do mesmo beco, mas ainda não é noite aqui. O céu alaranjado ainda ilumina um pouco a viela, prestes a se pôr. O barulho alto e incisivo de pessoas e veículos também não existe aqui. Está tudo silencioso, como não costuma ser.
A garota se movimenta, indo em direção à rua, agora vazia. Alguns carros se dispõem, estacionados próximos das calçadas, mas nenhuma alma viva caminha por elas, ou sequer pode ser vista por perto.
Não está certo. Talvez, ao procurar um lugar mais calmo e vazio, a garota tenha ido para uma realidade em que os cidadãos japoneses de Tóquio não trabalhem... Nesse dia. Talvez seja algum feriado ou dia especial, de algum jogo ou esporte. Um evento que tenha finalmente colocado essas pessoas em casa ao invés do trabalho, certamente é um evento e tanto.
Certo é, que ela estava bem longe de onde imaginou estar. Não estava nos seus planos "não saber" o que está acontecendo - mesmo que ela mesma não entenda quase nada do que lhe ocorreu nos últimos tempos.
Relaxar não envolvia exatamente investigar o "misterioso caso do desaparecimento do povo japonês", mas o caso é absurdo demais até para ela engolir, dessa vez. E não há nada melhor para fazer. Antes de voltar a se lamentar, por que não procurar saber onde foi parar?
Olhando pelas janelas e vitrines, ela "confirma" o estranho desaparecimento, o que acaba com suas teorias de feriados e dias especiais: Não há pessoas trabalhando em lugar algum, sequer organizando algo ou zanzando por aí. E o principal: realmente há lojas fechadas e edifícios fechados... Mas nem todos. Alguns estão apenas largados, abertos sem supervisão ou alguém tomando conta. Estabelecimentos pequenos como lojas e restaurantes literalmente abandonados, seja lá por qual motivo.
Voltando suas observações aos prédios residenciais e comerciais, ela se lembra do prédio de Adriãn e Serena. Ela já o passou, mas não deu bola no momento. Olhando para trás, ele também não parece movimentado...
Seus pensamentos se alinham e ela finalmente entende algo. Ela para de andar, os olhos se arregalando enquanto lentamente os dentes se cerram novamente. Algo estranho aconteceu. Algo de muito estranho aconteceu, bem no dia em que ela poupou Adriãn.
Seus medos e anseios borbulham em sua cabeça, enquanto ela se repreende por ser tão idiota. Há não muito tempo, ela se convencia de que nem todos são monstros. Agora, de frente para uma encruzilhada, ela se vê em dúvida. Seu apelo anterior não foi forte o suficiente na hora do aperto...
Seus pensamentos pessimistas sufocam sua linha de raciocínio, mas não fazem um bom trabalho. De algum jeito, ela ainda não está tendo uma crise de raiva. Tal sentimento dá lugar a algo totalmente novo: uma crise de ansiedade.
Ela se agacha no chão, segurando a cabeça enquanto respira dificultosamente. Ela ainda não entende o que está acontecendo, mas tenta se acalmar penosamente em uma tentativa de se enganar novamente. Seu pessimismo pesa, sua cabeça também. Ela fecha os olhos, tentando focar em pensamentos positivos. Suas incertezas travam seu corpo de tal forma que mesmo a raiva não é o suficiente para cegá-la. Isso, quem faz é o medo.
Ela permanece nessa posição por alguns minutos. A respiração dificultosa e as mãos ainda na cabeça. Antes a segurando, agora mais parece uma tentativa infantil de "se esconder". Depois de alguns minutos, sua respiração começa a lentamente voltar ao normal. Seus olhos permanecem fechados até conseguir erguer a cabeça, preenchendo então sua visão com um lindo céu estrelado. Tranquilizante este que funciona. Por alguns segundos, ela se permite esquecer os problemas da Terra, sonhando acordada com sentimentos celestes e desejos cósmicos, mágicos; o quanto se permite imaginar a fantasia do universo. Alheia do Tempo e do Espaço.
À medida que contempla o Espaço no céu, sua visão capta, intrusivamente, o alto dos grandes arranha-céus. Sua mente então vai voltando, de pouco em pouco, do Mundo da Lua.
Ela suspira novamente, agora recuperada. Levanta, com calma, e passa a mão, trêmula, no cabelo novamente; Dessa vez arrumando o mesmo e o tirando da frente do rosto. O capuz, que até então cobria sua feição, também é retirado, deixando a garota completamente descoberta na cabeça. Seus olhos vermelhos fitam, desanimados, o caminho à frente. Agora, com a noite finalmente abraçando Tóquio, algumas luzes podem ser vistas em apartamentos avulsos. Resta a ela continuar a procura pela resolução do mistério - não mais tão misterioso para ela - ou dar meia volta e desaparecer pela noite, mais uma vez, ignorando e esquecendo o que aconteceu aqui. Enfrentar o que for ou tentar fugir.
Algo lhe diz que ir embora é sempre a melhor opção. Ela não quer enfrentar Adriãn, a possível causa do sumiço da população. Se pôr de frente a ele, novamente, não significa perder para ele mas para si mesma. É continuar a acabar com sua vida. Por outro lado, fugir significa imediatamente perder para o medo, para suas fraquezas, para si mesma, sem resolver o problema. É somente fugir, mais nada. Sem sequer a certeza de que isso vai mudar sua vida e mais a possibilidade de continuar tudo na mesma...
Com o resto de coragem que lhe resta e o último pingo de paciência que conseguiu juntar, a garota se pôs a andar, tomada a decisão. Rumo às luzes à frente.
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Coroas Malditas: Crônicas Da Guerra e Da Paz
AdventureNo início, era o Vazio. E o Vazio era belo. E o Vazio resolveu ser. E assim se tornou Ser. E sendo algo, se tornou conceito, significado. O Vazio se tornou Medo. E preencheu a Existência. O Vazio se tornou Guerra. E perseguiu o Medo. O Vazio se torn...