O garoto suspira. Ele foca o olhar no chão, contemplando o nada, em silêncio. Ele sabe que não é uma boa ideia tentar ajudar apenas dizendo o óbvio. Nem ele acreditaria, se estivesse no papel de ouvinte.
Então, da mesma forma, ele se põe a ouvir a própria consciência. Aconselhando a si mesmo, pois de nada adianta consolar o outro estando igualmente quebrado...
A garota ao lado não se mexe. Totalmente ensopada, a presença do garoto é tão incômoda quanto a chuva que cai. Ela não se importa com o que acontece no exterior, agora. Não agora. Sua mente está cansada, pesarosa. Um sentimento de tristeza e culpa esfria seu corpo e aperta seu coração. Ela responde ao estímulo com soluços introspectivos e uma respiração pesada, enquanto revive os últimos momentos passados, que tanto a atormentam.
Os dois permanecem assim por um tempo, apenas descansando e se recuperando aos seus próprios modos. A companhia que ambos se fazem é irrelevante, mas reconfortante. Como se, próximos, finalmente se permitissem relaxar e serem eles mesmos. Como se, juntos, pudessem apenas libertar o que se passa em suas mentes e corações sem medo. Estando juntos, eles mantêm suas privacidades e guardam suas dores consigo mesmo, mas não estão sós.
A loira mais velha, mais sombria, como expectadora, apenas observa em silêncio, paralizada. Seu nervosismo ainda insiste em lhe tomar parte do controle do corpo, causando certa tremedeira em suas mãos e lábios, acompanhada de um sorriso amarelo e um semi-serrar de dentes que lhe rendem uma expressão estranha. O abalo também gera uma paralisia motora momentânea, impedindo que tome qualquer ação precipitada, mesmo que a mais óbvia. Pois ela sabe o que deveria fazer nessa situação. Ou, deveria saber. Mas, nesse momento, vivendo a situação inusitada, ela não consegue processar como deveria, de fato, reagir. Surpresa? Ódio? Medo? Curiosidade? Está tudo misturado em um emaranhado de sentimentos, dúvidas e respostas que sua mente não consegue desatar.
Pouco a pouco, então, sua consciência vai lhe dizendo o que fazer, instruindo os membros afetados a agirem com mais naturalidade e abrindo espaço para um raciocínio mais desenvolvido. Ela evita assim, reagir exageradamente.
Ao passo em que seu pulmão e coração voltam a funcionar corretamente, ela olha mais uma vez para o lado. Como se pressentisse o que aconteceria. Ela procura por uma quarta figura na cena, mais uma vez. Algo ou alguém que já deveria estar alí, mas que permanecia oculta. A razão pela qual fora transportada pelo espaço e pelo tempo.
E ele está lá.
Na primeira direção em que sua cabeça se volta, seus olhos capturam imediata e horrorosamente, lado a lado consigo, a imagem de uma figura desfigurada, de rosto encoberto por galhos e ramas que se entrelaçam umas às outras, se erguendo como uma rústica e grosseira coroa de espinhos. A madeira oculta sua pele, rompendo sua carne com as ramificações, que adentram as cavidades oculares e demais aberturas faciais, abrindo novos buracos onde não haviam, e deixando somente a metade inferior da boca, a mandíbula, intocada e visível, o tornando totalmente irreconhecível.
Uma esparsa, mas forte, luz azul escura escapa com dificuldade pela ramagem, iluminando a face da criatura de forma desigual.
Ele se planta, imóvel, com a cabeça voltada à direção da garota assustada e com um dedo em riste sobre onde seria a boca de um humano comum, como se pedisse silêncio.
Suas mãos se encobrem com uma luva preta de couro. Seu corpo se veste com uma grossa e pesada roupa escura, composta por uma blusa de lã cinza, da cor de nuvens carregadas, com listras negras e um casaco de cor azul-cobalto, típica de lugares frios. A roupagem de forma geral é simples, desgastada e rasgada em alguns pontos. Marcada por ranhuras e pela tinta desbotada. Como se tivesse muitos anos de uso. Por ela e pelo restante do corpo, galhos secos, azulados, mais escuros e mortos que os do rosto, e folhas também secas, se distribuem aleatoriamente pelo corpo, entrando e saindo dos membros sem apresentar grande perturbação na movimentação do Ser, ornando a criatura como um grande e macabro vaso humanóide de uma planta prestes a morrer.
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Coroas Malditas: Crônicas Da Guerra e Da Paz
AdventureNo início, era o Vazio. E o Vazio era belo. E o Vazio resolveu ser. E assim se tornou Ser. E sendo algo, se tornou conceito, significado. O Vazio se tornou Medo. E preencheu a Existência. O Vazio se tornou Guerra. E perseguiu o Medo. O Vazio se torn...