A loira também se volta para a figura desfigurada. Ela observou atentamente toda a conversa entre os dois jovens, sem dizer uma única palavra. Indiferente, aparentemente, ao ocorrido. E por fim, confusa com a interrupção. Ou com qualquer coisa que tenha acontecido.
- O que foi isso...? - ela questiona. - Você queria me mostrar algo? Eu não entendi... Também não lembrava que você era tão preocupado comigo. Não me lembro de você ser tão atencioso...
Ele permanece inexpressivo, em silêncio.
- Sério... - ela suspira. - Isso foi estranho... Ainda É estranho. E você não vai dizer uma palavra? Você falou comigo mais cedo, não? Que eu estava "atrasada"... O que... - ela volta a olhar para os dois no chão - o que você quer me dizer...?
Ela não se lembra daquele momento, dessa conversa. Mas não é como se lembrasse de muito de seu passado. Não, não do seu passado. Mas da sua VIDA passada. Seu passado, bem recente até, está bem preservado em sua memória.
Ela nunca se esqueceria dele. Mas sua vida, com Adriãn... Isso, ela imagina, que sequer gostaria de se lembrar. Parece algo que sairia de um pesadelo. Mas seria, definitivamente, muito pior. Pois seria real. Certo...?
Ela acabou de presenciar um evento direto de seu passado. Ao vivo e a cores, face a face. E não lhe pareceu tão traumatizante. Não tanto quanto pensou ser ou pelos motivos que imaginou. Na verdade, passado o choque inicial do encontro consigo mesma, não é mais tão assustador... Somente perturbador.
Tão perturbador quanto presenciar a pessoa que ela mais odeia e de quem mais sente raiva, a consolando gentilmente. Agindo amigavelmente. Simplesmente incompreensível. Tão bizarro que ela só se deu conta dessa parte da interação, agora. Ela prestou mais atenção nas palavras do que nas pessoas. Afinal, mais lhe vale a curiosidade sobre si mesma, do que voltar sua atenção a alguém tão desprezível. Foi quase como se ela se esquecesse de quem estava falando com sua versão mais jovem, ignorando totalmente a identidade do garoto e o tratamento meramente como um colega qualquer. O que, novamente, é muito bizarro. Mas as coisas só estão se complicando, mais e mais, e nada está fazendo sentido. Primeiro, é necessário analisar os fatos:
• A garota e o garoto passaram por alguma experiência complicada, envolvendo suas vidas pessoais e profissionais.
• O garoto, Adriãn, nitidamente tentou consolar a garota e confessou abertamente gostar dela.Dois tópicos são o suficiente para enojar totalmente a moça, que faz uma careta enquanto pensa. Adriãn GOSTAVA dela? Como ela não se lembra disso?? Outra questão lhe vem à mente, estranhamente: Adriãn a chamou pelo nome "Serena". Seria esse seu nome, então?
Apesar da descoberta, ela não se sente familiar com ele. Serena pode ter sido o nome empregado para si, em um passado longínquo. Mas agora, já não lhe parece certo se chamar assim. Ela sente, afinal, que se tornou outra pessoa. A estranheza do reencontro consigo mesma se deve à aparência espelhada, os detalhes físicos, as características naturais de seu corpo. E não a essência em si. Afinal, ela já se deparou com versões suas de outras realidades, outras linhas temporais. Mas sequer conhece ou se lembra da sua própria versão, do passado ou do futuro. E a relação amigável e agradável com seu algoz e arqui-inimigo, Adriãn, só aumenta ainda mais a distância entre suas facetas.
Respostas são criadas e conclusões são atribuídas, baseadas na observação e experiências vividas pela moça. Mas as principais dúvidas permeiam o coração e a consciência da loira, que permanece confusa quanto ao objetivo de tudo aquilo.
Retrocedendo os eventos, ela reflete sobre o primeiro tópico. O que eles estavam fazendo, sentados no chão, na chuva? Ela parecia extremamente abatida, pois seus olhos estavam absurdamente vermelhos, e não da forma habitual. Em seu rosto, pálido, a cor predominante era o roxo acinzentado, deprimente, e o vermelho do rubor e da irritação cutânea. Sua expressão do início ao fim foi sombria, acabada. O garoto também chorou um pouco, mas não demorou para se recuperar. Pelo menos, fisicamente...
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Coroas Malditas: Crônicas Da Guerra e Da Paz
AdventureNo início, era o Vazio. E o Vazio era belo. E o Vazio resolveu ser. E assim se tornou Ser. E sendo algo, se tornou conceito, significado. O Vazio se tornou Medo. E preencheu a Existência. O Vazio se tornou Guerra. E perseguiu o Medo. O Vazio se torn...