Ainda segurando a moça nos ombros, cuidando do equilíbrio para se manter de pé, o monarca grunhe em um tom contido, medonho. Seu capacete se desfaz, se recolhendo ao colarinho.
Ele respira fundo o ar puro, antes de apertar a mulher em seus braços.E de forma visceral, sua carne pálida, morta, se desmancha como papel machê, embrulhando-se sob o abraço e olhar sombrio do Conquistador. Cada pedaço dela se amontoa: carne, nervos, ossos, sangue. Sua estrutura se junta em um bolo de matéria orgânica. Seus membros se partem, puxados para dentro dos restos do tórax. Ela esbugalha os olhos, que se enchem de sangue antes de serem absorvidos pelo gelo.
Ela emite um gemido agonizante, cerrando os dentes pela dor alucinante, incomparável.
Seu ser se concentra em um único ponto central, similar à esfera semi-biológica na qual Tsar foi transformado há poucos minutos.Violentamente, o déspota não demonstra remorso algum enquanto transforma o corpo da moça em um aglomerado esférico de matéria orgânica cristalizada em gelo. E logo após, em uma lâmina carmesim pútrida.
Seus olhos, cheios de ódio, refletem o vazio de suas emoções. Sua existência não contempla a nova criação, como costuma fazer, por bem ou por mal. Sua irritação permeia o ar, condensando a atmosfera presente. Seus olhos se voltam à entidade gasosa atrás de si, o encarando com autoridade e requintes de crueldade.
O monarca move o punho que segura a espada rubro-negra de gelo e carne. Ele aponta a arma contra o elemental, de olhar frio, sereno.
Tsar intenta agir, mas seu corpo já não mais responde. Desmantelado em átomos por vontade própria, sua força já não revida a vontade do Conquistador.O Rei novamente deseja, e assim é feito conforme sua vontade. O glorioso herói se vê totalmente imóvel, incapaz, inerte. Sua alma não se anima, seu corpo não existe mais. Sua mente se esvazia, paralisado, sem arbítrio. Ele não pensa, não vê, não sente. Congelado, sua existência permanece no espaço de referencial único, inconsciente.
Não há vida sem entropia, nem esperança na apatia. Não há nada disso, sob o Zero Absoluto.
O monarca suspira, ainda com a mão levantada, em guarda. Exibindo a espada como se segurasse uma cruz. Como se tentasse afastar um mal demoníaco, bestial, incompreensível.
Seus olhos se fecham por alguns segundos, relaxados. Ele respira cautelosamente, recuperando o fôlego, se acalmando. Finalmente, acabou.Não foi como queria. Nunca é. Há um gosto de descontentamento, decepção, mesmo após se surpreender tanto. Em seu peito há rombos e perfurações. Machucados que jamais sofrera antes. Ferimentos que nunca havia sentido antes. Ele perdeu uma perna, viu o céu incendiar e explodir com a raiva de uma estrela... Novamente, MAIS UMA estrela.
Está cansado de contemplar a morte desses astros. Super Novas já são rotineiras. São como comadres já conhecidas, admiradas, por seus feitos e capacidades. Vê-las explodir em seu espetáculo final é reconfortante. É como se sente realizado.
Mas há mais na beleza da morte, além do último suspiro. Há arte. Não é o fim, mas o último ato.
Ele queria mais. Como sempre, o êxtase termina. Não é perfeito, não é eterno. O Tempo passa, se acaba. E Ele permanece. Absoluto, está além dos prazeres mundanos. Está além da natureza do Cosmos, além da elevação espiritual e altivez da espécie. Ele já está acima disso tudo. Não há comparação.
A solidão, velha amiga, mais uma vez invade o coração vazio de Annu. É solitário ser Ele. E sente que, seguindo por este caminho... Por SEU caminho... Eventualmente, porventura... Estará acima de qualquer sentido que tente dar à sua própria vida.
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Coroas Malditas: Crônicas Da Guerra e Da Paz
AdventureNo início, era o Vazio. E o Vazio era belo. E o Vazio resolveu ser. E assim se tornou Ser. E sendo algo, se tornou conceito, significado. O Vazio se tornou Medo. E preencheu a Existência. O Vazio se tornou Guerra. E perseguiu o Medo. O Vazio se torn...