Chá Com Crises Existenciais - 10

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   Adriãn a olha de cima para baixo, surpreso com o parecer da garota.

   - O que... - ele finalmente nota a pose da moça, o que chama ainda mais sua atenção - Serena...? - ele a questiona.

   A moça está receosa. Ela ainda não tem certeza de que o que está acontecendo ou vendo é real. Sua guarda está totalmente levantada, e sua desconfiança, com razão, levanta uma preocupação óbvia.

   Baseada em experiência própria, quanto mais ela dá trela para os acontecimentos, mais bizarra e perigosa a situação vai se tornando. De fato, ela não está acostumada a esperar tanto por algo que não seja o fim. Então, deve ser normal o desenvolvimento ser um pouco - ou totalmente - confuso, certo...?

   Independente de como as coisas forem, os olhos azuis, novamente, lhe afetaram negativamente. Mesmo que tenha desdenhado levemente da criatura, há poucos segundos... A sombra, que levantara e se voltara para ela, ainda provocara um leve amargor e uma secura em sua boca. Uma preocupação latente, natural, instintiva. Mas que, dessa vez, não se tornara medo. Ela não pôde deixar de se assustar, e temer, a entidade. Mas não se tornara refém das emoções. Antes, a encarou com severidade e se posicionou de sobreaviso: punhos levantados e postura flexível, indicando não raiva irracional ou desespero, mas uma racionalidade de combate. Uma ameaça de igual para igual, independente da disparidade entre ambos.

   E dessa mesma forma, ela se põe frente a frente com o garoto, recém transformado sobre a sua visão. Ela o conhece, ou acredita conhecer - O que não diminui sua preocupação: Aparenta ser o mesmo garoto do terraço de onde acabara de sair, na mesma altura e juventude. Ele a encara curioso, preocupado. Sua aura já não é mais apavorante ou acabada, como vista nas duas formas anteriores. Seus olhos também não estão mais pesados ou tristes como antes. Ao contrário, estão mais tranquilos, muito mais gentis, mesmo também demonstrando claramente incompreensão.

   A leveza com que encara a garota, entretanto, ainda não deixa de ser opressora. Mesmo que não seja mais o azul a dominar sua visão, ela ainda sente como se algum tipo de veneno, invisível, emanasse de seu olhar, penetrando sua pele, degradando sua sanidade. Quanto mais ela o encara, quanto mais ouve sua voz, sozinha, a distinção da criatura e do garoto começa a embaralhar em sua mente. Ela não vê diferença, de qualquer forma, em nada além da aparência física. Ele sempre foi uma sombra, uma figura desfigurada, atrás de si. Nunca precisou de um nome ou de um rosto para lhe perseguir. Ele sempre foi o mesmo monstro. Sempre...

   Ela fecha os olhos, tentando evitar qualquer contato visual com ele. E ele permanece em silêncio, observando a garota, nervosa, aos poucos relaxar o corpo e abaixar a cabeça.

   Levemente, ela sente um contato com sua cabeça. Uma mão repousa sobre ela, inicialmente quieta, mas que logo começa a fazer movimentos lentos, para frente e para trás. Ele esfrega o cabelo da garota com cuidado, sem pressionar muito.

   - Está tudo bem...! - ele sussurra calmamente.

   Ela sente o cafuné continuar por mais um tempo. Somente isso, e o silêncio. Ela relaxa os punhos, mas não abre os olhos ainda, tentando mentalizar uma figura mais benevolente à sua frente, antes de dar de cara com a realidade. Uma figura que realmente seja tão bondosa, tão compreensível e carinhosa. Uma que não fosse Adriãn.

   Pouco depois, já com os braços quase totalmente abaixados, sente outra mão sobra a sua. Ela a segura com ternura e abaixa totalmente o membro, permitindo que a garota finalmente relaxe todo o corpo e levante a cabeça. Mas ela ainda não abre os olhos.

   - Vem cá... - ele a chama.

   Ela sente a mão sobre sua cabeça se afastar. E logo, quase imediatamente, se sente guiada para algum lugar. Ela ameaça abrir totalmente os olhos, bruscamente, mas uma força interna que vinha alimentando até agora, a permite controlar a afobação. Ela procura confiar na direção e não se mostrar tão arisca, como realmente se sente estar.

Coroas Malditas: Crônicas Da Guerra e Da PazOnde histórias criam vida. Descubra agora