Capítulo - 23

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Tzuyu sentou em uma cadeira no canto do quarto escuro de Sana e a observou dormir, cada respiração indo e vindo no peito, como se estivesse respirando junto com ela. Havia jurado a si mesma nunca se sentir desse jeito, nunca se importar com alguém dessa maneira, nunca ter que pedir ajuda de novo. Ainda podia se lembrar do dia em que havia ido para casa pedir ajuda ao pai. Estava na quarta série e estava ficando quase impossível manter o fingimento todos os dias.

Flashback on

- Não consigo ler.

O pai olhou para ela com desprezo.

- É tudo culpa da sua mãe. Aquela puta idiota não conseguiu nem ao menos me dar uma filha com cérebro.

A Chou deu meia volta e saiu do apartamento antes que pudesse se envergonhar ainda mais com as lágrimas. Depois daquilo, ficou mais fácil fugir das aulas de leitura. Até um dia em que foi colocada em um projeto com Minatozaki Jinni. aquela imbecilzinha metida tinha tudo e Tzuyu a odiou à primeira vista. Odiou Jinni ainda mais quando ela disse com todas as letras que não deixariam de fazer o relatório sobre o livro que precisavam fazer juntas.

Tzuyu se lembrava de como tentou levar tudo na brincadeira. Livros são para fracassados.

Jinni conseguiu enxergá-la perfeitamente. Talvez outras pessoas houvessem adivinhado mas nenhuma delas ousou falar sobre isso com Tzuyu. Não da maneira objetiva como Jinni fez:

- Você não sabe ler né?

A Chou deu o primeiro soco, mas Jinni não demorou a reagir. As duas garotas se bateram muito antes de um professor vir separá-las. A mãe de Jinni foi até a escola para levar a filha expulsa para casa mas ouviram dizer que ninguém viria para buscar Tzuyu e, antes que ela pudesse inventar uma maneira de sair dessa, a senhora Minatozaki tinha duas garotas sentadas no banco de trás da sua van. Minutos depois, estavam sentadas diante de uma enorme prato de biscoitos e dois grandes copos de leite. O livro sobre o qual deveriam fazer o relatório, O Leão, a feiticeira e o guarda-roupa, estava sobre a mesa entre elas, juntamente com o grosso dicionário azul que havia sido, visivelmente muito usado.

- Me avisem se precisarem de ajuda, garotas.

Ela não gritou com elas, não havia dado uma surra em Jinni e nem a chamou de burra. Também não cheirava a bebida. Tzuyu não podia acreditar que existisse alguém como ela, não conseguia parar de fantasiar sobre como teria sido a sua vida se tivesse uma mãe como aquela. Depois de a Sra. Minatozaki ter saído da sala, Tzuyu havia se fechado em um círculo de nervos e bravatas, esperando Jinni fazer piadas e irritá-la por causa de sua burrice, mas tudo que a garota fez foi enfiar um biscoito de chocolate dentro da boca, abrir o livro e começar a ler em voz alta, cuspindo pedaços em cima das páginas. Jinni nunca falou sobre o problema de leitura dela de novo, mas, de alguma forma, depois daquele incidente, as duas sempre terminavam fazendo projetos de leitura juntas.

Flashback off

Sana se mexeu na cama nesse exato momento, como se estivesse procurando alguma coisa. Procurando por ela. Fez uma careta durante o sono antes de colocar o braço em volta do travesseiro e abraçá-lo mais forte junto de si.

Confiança

Se havia alguém em que queria confiar, era em Sana. mas depois de passar a vida inteira escondendo a verdade de todos, manter segredo era o que ela sabia fazer melhor.

Nunca compartilhar.

Nunca confiar.

Nunca mais dar alguém a chance de dizer que não era nada além da filha idiota de uma puta com um bêbado.

Mas desta vez, Tzuyu sabia que tudo era diferente... porque não podia deixar de amar Sana. E o que mais queria na vida era que ela a amasse também.

O que significava que teria que contar a ela logo, logo; teria avisá-la que seus filhos poderiam não conseguir fazer exatamente a coisa que ela fazia com a maior facilidade. Se mexendo sem parar na cadeira, os olhos dela pousaram sobre o livro em cima da cômoda: O que Esperar Quando Você Está Esperando.

Ler o livro esta noite seria uma tortura, mas isso não mudaria nada. Sempre haveria muitas palavras, e ela sempre teria que se esforçar ao máximo para que elas fizessem sentido na sua cabeça. Porém, se havia alguma coisa digna da dor e do sofrimento de conseguir ler um livro inteiro, era Sana... e os filhos que teriam no outono.

Pegando o livro, usou todos os truques para manter o seu cérebro focado em uma palavra, uma frase, um parágrafo, depois o próximo. À medida que os minutos se tornaram horas enquanto virava as páginas, uma após a outra, e tomava consciência das advertências e dos riscos intermináveis da gravidez, Tzuyu na verdade, pegou-se querendo ser aquela garotinha de 10 anos de novo, que não conseguia ler nada.

Só Tenho Olhos Para Você | Satzu G!POnde histórias criam vida. Descubra agora