Pacata por fora, tempestuosa por dentro

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   Olhando a tímida jovem ruiva que trabalhava vendendo tapetes no  Grande Bazaar, ninguém poderia sequer imaginar que ela era a dançarina misteriosa da trupe que assolava a cidade de Sumeru, profanando o tão amado templo de conhecimento e lógica que era a capital da nação da sabedoria. O que para ela era ótimo pois a permitia continuar a fazer o que mais gostava em sua vida: dançar. Isso com o bônus de não ser presa!

  Dançar era a energia que movimentava seus dias.

  Dançar era o que a fazia se conectar com seus ancestrais.

  Dançar era a maneira de dizer todas as coisas que não conseguia.

  Dançar era sua alma!

  Para sua tristeza - e da maioria das pessoas do país, por mais que eles negassem- as artes eram quase todas proibidas pois eram vistas como inúteis, perda de tempo precioso, que poderia ser usado para criar mais um dos inúmeros estudos teóricos, que só serviam para se amontoar dentro da biblioteca da Akademya. Muitos diriam que a visão de Nilou era fruto de sua inabilidade acadêmica, pura inveja, mas os membros do teatro Zubayr concordavam com suas opiniões, e toda noite zombavam da arrogância do Grande Sábio, o qual era incapaz de ver sua própria burrice nem mesmo se quisesse.

  Todos do teatro acreditavam piamente que a Arconte Dendro era uma grande fã das artes, pois se assim não o fosse, ela não teria sido amiga nem do Rei Deshret nem da Rainha das Flores, não teria dançado com eles nem feito banquetes lotados de atrações inusitadas. Isso tudo era de conhecimento geral, estava nas lendas sussurradas pelas pessoas, em livros antigos trancados nas partes mais reclusas da biblioteca da Akademya, e nos desenhos encontrados em ruínas ancestrais.

  A proibição da arte era fruto de uma distorção humana, feita por algumas gerações de Grandes Sábios. O teatro mascarado era uma acusação direta, um convite à rebeldia, a questionamento, pensamento próprio. Por isso a Matra os perseguia todas as noites. O controle deveria ser mantido a todo custo!

  Sabendo do pensamento dos grandes Sábios, dos generais Mahamatra, e do funcionamento interno da Matra, os integrantes do teatro mascarado Zubayr tinham uma regra de ouro: Ninguém sabia o rosto de ninguém, muito menos o nome, profissão, escolaridade, e vida pessoal. Nada. Absolutamente nada. Do momento em que eram recrutados até suas reuniões secretas, tudo o que viam eram máscaras e personalidades tomadas do folclore. Nilou era a Rainha das Flores, posição que herdou de sua professora e recrutadora. Aquela era a posição de maior destaque na trupe, sendo o equivalente à bailarina principal do Balé de Snezhnaya.

  Acima de Nilou havia só o Administrador, o qual nunca participava nas apresentações. O papel dele era coordenar a trupe: achar figurinos, comprar instrumentos, bolar locais para eles se apresentarem e planos de fuga, além de determinar a data de todas as reuniões.

  A dançarina trabalhava pacatamente em sua barraquinha de venda de tapetes, fazendo o máximo para não olhar nos rostos das pessoas, e prendendo seus cabelos ruivos numa longa trança coberta por um véu negro. Nada em seu aparência ou em seu jeito poderia denunciar sua identidade secreta, casa contrário iria parar em alguma masmorra da Matra.

  Só de pensar nisso sentia suas pernas tremerem e sua voz falhar.

  E para piorar sua situação havia o general Mahamatra Cyno, uma presença que a perseguia todas as noites, fosse na vida real ou em seus sonhos... para falar a verdade, ele estava mais para uma assombração, pois se apossava dos pensamentos dela durante o dia também, ainda mais depois da noite que passaram juntos no mês passado. Ela tinha se deixado levar por conta do festival do Rei Deshret e da Rainha das Flores, e achou que seria uma boa ideia seduzir o homem a quem tanto desejava. A noite foi de fato cheia de deleites e prazeres - da exata maneira como ela costumava sonhar- só que terminou de uma maneira imprevista: o compromisso deles se encontrarem toda lua cheia.

Mascarada e MisteriosaOnde histórias criam vida. Descubra agora