Episódio 1

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Minha mãe não para de gritar para que eu vá buscar meu irmão na escola.

Desço as escadas e encontro-a sentada na cadeira, comendo um pedaço de bolo.

– Eu ainda não entendi por que tenho que buscar o Pietro.

– Já te falei um monte de vezes que vou fazer uma faxina na casa da dona Diva.

Verdade, ela havia mencionado. Acho que minha cabeça não está muito boa ultimamente.

– Mais uma faxina às quatro da tarde? Não acha que está meio tarde?

– Tarde está, mas o que posso fazer? Preciso pagar as contas – ela desce da cadeira e vai até sua bolsa. – Agora, para de me fazer perguntas e vai logo buscar seu irmão na creche. As professoras já devem estar despachando ele de lá.

Reviro os olhos. Ela se aproxima, dá um beijo na minha bochecha e sai. Vou até meu quarto, troco de roupa, fecho a casa e começo a descer o morro.

– Oi, tá bonita hoje, hein!

Carlos, um amigo da família, trabalha para o pessoal do morro, mas é uma boa pessoa. Confesso que já tive uma queda por ele, mas passou.

– Só hoje não, meu bem, todos os dias – dou um tapa em seu ombro e sigo meu caminho.

Continuo descendo o morro, escutando sua risada ao fundo.

– Querida, depois passa aqui para pegar a roupa que sua mãe pediu para eu costurar.

Dona Lurdes, uma senhora de 65 anos, sempre cuidou de mim quando minha mãe fazia horas extras no trabalho. Além de ter uma venda no morro, faz alguns serviços de costura.

– Vou buscar o Pietro e volto para pegar.

Moro no morro desde os oito anos, quando minha mãe não conseguiu mais pagar a casa em um bairro mais estável. Hoje tenho 17 anos. Ela engravidou novamente quando eu tinha 14, e, depois de nove meses, veio meu irmãozinho, Pietro. Somos irmãos por parte de mãe, já que ela engravidou dele após beber demais em uma balada e se deitar com um dos traficantes do morro. Ninguém sabe quem é o pai, nem ela mesma, pois estava muito bêbada na ocasião. Todos suspeitam que seja o Caio, mais conhecido como Caçarola, mas não temos provas.

Depois de descer o morro, pego um Uber e vou até a creche. Ao chegar, vejo Ana, a mulher da portaria.

– Se atrasou de novo. Sabe como o Pietro chora quando é o último a ser buscado.

– Eu sei. Onde ele está?

Ela pede um minuto e vai buscá-lo. Alguns minutos depois, volta com Pietro, de mãos dadas. Seus olhinhos estavam vermelhos e inchados.

Nos despedimos de Ana e entramos no Uber.

– Não precisa chorar, Pietro. Desculpa, eu lembrei de última hora. Você acha que a mamãe esqueceria de você?

– Promete que nunca mais vai me deixar por último?

– Eu prometo – dou meu mindinho para ele segurar.

O trânsito estava caótico, e o sinal vermelho durava mais que o normal. Estávamos em frente a uma biblioteca. Pietro adora quando leio livros infantis para ele, então sugeri:

– Que tal irmos ali na biblioteca? Vou alugar um livro para ler para você mais tarde.

Ele sorri e concorda com a cabeça. Paguei o Uber, pegamos na mão um do outro e atravessamos até a biblioteca. Fomos direto para a área infantil, onde Pietro escolheu "As Aventuras de Jack, o Pirata". Enquanto ele se encantava com o livro, lembrei que minha mãe queria ler um romance que sabia estar ali.

– Espera aqui um minutinho, Pietro – pedi à mulher da recepção que desse uma olhada nele por mim, e ela assentiu.

Corri até a seção de drama e procurei o livro. Após alguma busca, o encontrei. Quando estava voltando, esbarrei em alguém e o livro caiu.

– Me desculpe!

– Sem problemas, me desculpe também.

Ao levantar o olhar, deparei-me com um par de olhos azuis, cabelos loiros ondulados e uma beleza indescritível. Ele pegou o livro e me entregou.

– Esse é um ótimo livro. Vai gostar muito, mas preste atenção, senão vai perder alguns detalhes.

Pietro interrompeu meus pensamentos:

– Vamos logo, estou com fome.

Saí do transe e o acompanhei até a recepção. Alugamos os livros e saímos, mas, do nada, o céu começou a escurecer. A chuva caiu forte, e claro, eu não havia trazido um guarda-chuva.

Corremos até uma marquise, mas o vento estava forte e a água começou a nos atingir. Foi quando um carro parou em frente a nós. O vidro se abaixou, revelando o homem com quem havia esbarrado minutos antes.

– Quer uma carona?

Fiquei sem graça de aceitar. Ele era bonito, mas eu nem o conhecia.

– Não, obrigada. Vamos esperar, a chuva já vai passar.

– Mas olha a situação do menino. Pode pegar uma pneumonia.

Olhei para Pietro, molhado e tremendo de frio. Cedi à oferta.

– Tudo bem, obrigada.

Entrei com Pietro no carro. O homem continuou me observando enquanto colocávamos os cintos.

– Qual é o seu nome?

– Any... Any Gabrielly.

Ele me olhou por mais um momento e estendeu a mão.

– Prazer, Any Gabrielly, sou Josh.

Apertei sua mão e agradeci pela carona.

– Obrigado, moço – disse Pietro.

– Sem problemas, adoro ajudar.

Dois Mundos. Um AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora