VI - Trinta e Um de Outubro

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Ouve-se uma voz rouca e grave da penumbra de uma indescritível sala: "Eu nunca fui um bom garoto. Desde cedo, minha natureza parecia inclinada para o incomum, como se meu coração fosse um terreno fértil para a semente da diferença. Lembro-me de dias em que a inocência era apenas uma palavra distante, uma que eu preferia ignorar. Machucar pequenos animais era um passatempo cruel, uma expressão primitiva do poder que eu sentia ao controlar o sofrimento alheio.

Sabe, a mentira fluía de mim como um rio envenenado. Era uma forma de arte, uma maneira de criar mundos alternativos onde eu reinava supremo, livre das correntes da dura e maldita verdade. O casal que se diziam serem meus pais não passavam de figuras autoritárias tentando moldar meu caráter, eram apenas obstáculos a serem driblados. A desobediência sempre foi minha arma secreta, a rebelião sutil que alimentava meu ego enquanto eu escapava das regras que tentavam domesticar minha natureza indomável.

E então vinha a noite do Halloween, minha ópera, um palco onde eu podia dançar com meus demônios interiores sem medo de julgamentos. Entre risos sinistros e olhares ocultos, eu encontrava uma comunhão com outros espíritos obscuros, todos nós dançando nas fronteiras tênues entre o real e o imaginário. Era como se a noite fosse uma extensão dos meus próprios desejos sombrios, um teatro onde eu era o protagonista e o enredo era um reflexo distorcido da minha própria existência.

Me vesti como uma abóbora de Halloween, daquelas com velas dentro. O tecido áspero roçava minha pele enquanto a cabeça esculpida repousava no meu pescoço. A laranja vibrante da abóbora contrastava com a escuridão crescente da noite, e as luzes laranjas que piscavam dentro dela adicionavam à minha presença. Era a fantasia perfeita para alguém que sempre se sentiu confortável nas sombras.

No entanto, aqueles dois, limitadores como sempre, não me deixaram sair de perto deles. "Você não pode andar sozinho, é perigoso", diziam eles com aquela voz autoritária que eu aprendi a odiar. Eu, é claro, recusei-me a ficar nas amarras deles. Quem eles pensavam que eram, impedindo a pequena abóbora de explorar a noite?

Como a criança desobediente que fui, escapei das garras daqueles dois, e saí para pedir doces na vizinhança. A noite estava viva com risadas distantes, sombras dançando nas paredes e o aroma adocicado que pairava no ar. Crianças trajadas como monstros, princesas e super-heróis percorriam as calçadas, sacolas ansiosas por guloseimas.

Minha abóbora esculpida provocou olhares curiosos e algumas risadas das casas que visitei. Batia à porta com entusiasmo, esperando que meus vizinhos apreciassem a genialidade da minha fantasia. "Travessuras ou gostosuras?" perguntavam, e eu, com um sorriso travesso, sempre escolhia as travessuras, mesmo que sempre me dessem os doces.

Em algum momento, cheguei à outra casa. Ao bater na porta daquela casa, a expectativa pulsava em mim, misturada com a emoção do desconhecido. A madeira rangia suavemente quando a porta se abriu, revelando um homem mascarado que poderia ter saído diretamente de um filme de suspense dos anos 30.

Sua máscara preta cobria estrategicamente a parte da frente do rosto, mas as laterais e a nuca permaneciam descobertas. Furos precisos permitiam que seus olhos observassem o mundo ao seu redor, olhos que, ao contrário da escuridão da máscara, brilhavam como luas brancas em uma noite estrelada.

A máscara apresentava um detalhe intrigante: um desenho branco que contornava o queixo, subindo até o início do nariz, simulando a imagem de uma barba. No entanto, não era uma barba real, mas sim um padrão liso e artificial, como se fosse esculpido de plástico branco. O homem trajava um chapéu preto e um terno que parecia retirado diretamente da era da grande depressão. Cada detalhe de sua vestimenta emanava uma elegância sombria, como se ele fosse um personagem de um filme noir prestes a revelar um segredo obscuro.

Homem-Aranha: Caminhando Entre os MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora