Conto - O monstro

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Um som vinha do quarto ao lado. Como se alguém tivesse se enrolado em várias cobertas e agora rastejasse pelo chão.

"Mas que ideia", pensei sonolento, incomodado por ter sido acordado.

Já devia ser umas boas duas da tarde. O sol ameaçava invadir o quarto de luz e calor, mesmo com as janelas fechadas. Era como se ele dissesse "levante-se preguiçoso! Não é hora de dormir!". Não era mesmo. Mas eu não ligava, fui dormir tão tarde que merecia ficar na cama o dia todo se desejasse, era sábado, afinal.

Mas o ruído não deixava. Maldito som. O que, diabos, estavam fazendo no quarto ao lado? Tentei ignorar o barulho mais uma vez, tampando a cabeça com meu travesseiro e me enfiando embaixo das cobertas. Sem a luz e sem o som, finalmente consegui alcançar aquele estado entre o sono e a vigília, em que tudo parece um sonho ou uma alucinação.

Quando o som rastejante aumentou, não pude sufocar um grito de raiva. Taquei o travesseiro na parede e levantei num pulo, pronto para socar a cara de quem estivesse fazendo o ruído no quarto ao lado.

Senti o chão gelado da república com meus pés descalços, inquieto demais para procurar os chinelos. Andei até o corredor, vociferando resmungos e palavrões, ainda atordoado pelo sono e cambaleando um pouco.

Agarrei a maçaneta da porta entreaberta e a escancarei num puxão só, com os punhos cerrados, pronto para atacar o novato que me atormentava.

Mas não havia novato algum.

O que vi era repugnante. Por um momento, tive certeza de estar dentro de um pesadelo. Como poderia ser outra coisa?

Uma coisa verde e asquerosa me encarava, com aspecto molhado e brilhoso, como se tivesse sido cuspida por outra coisa ainda mais asquerosa. Era um amontoado verde musgo, nem de longe uma centopéia. A coisa se arrastava lentamente, deixando uma gosma igualmente brilhante para trás.

Senti vontade de vomitar. Dobrei meu corpo sob os joelhos, contudo, não havia nada no estômago. Minha expressão de medo foi substituída pela de asco, conforme via a coisa se arrastar, causando aquele barulho irritante. Aquilo era enorme e comprido.

Era muito grande para um inseto, e muito bizarro para ser qualquer coisa. Se o monstro do armário existisse, talvez fosse parecido.

Dei dois passos para trás, temendo que aquilo me alcançasse. A ideia novamente revirou meu estômago vazio. Quando recuei mais um pouco, a criatura avançou.

Aquilo parecia ter saído de um pesadelo infantil ou de um filme de terror amador. Não se parecia com nada, mas ao mesmo tempo era horripilante. Nojento e... gelado.

Uma espécie de garra desgrudou do monte de gosma disforme e enrolou-se na minha canela, fazendo-me esgoelar num pedido de socorro e chutar com todas as forças para me livrar daquela mão. Não consegui. A coisa monstruosa me puxava cada vez mais para si ao passo que eu desabava no chão, sendo arrastado pelo piso gelado.

Grudei minhas mãos no batente da porta, enquanto rezava. Nunca fui de rezar, mas não sabia mais o que fazer, além de berrar e chutar. Meus pés em nada atrapalhavam a coisa e meus gritos não eram ouvidos por ninguém. Meus dedos começaram a esbranquiçar, nitidamente perdendo as forças.

Não resisti. Conforme fui arrastado pela coisa verde, vários flashes surgiram em minha mente, como um filme retrospectivo. Sumindo em meio às sombras, já não tinha certeza se aquela coisa existia mesmo, ou se era apenas meu monstro interior me levando...

Taquicardia e outros sintomas do medoOnde histórias criam vida. Descubra agora