Conto - As mesmas manhãs de sempre

145 17 2
                                    

Abro os olhos para mais um sábado preguiçoso. São 9 horas. Ainda está cedo para levantar da cama, resmungo. Afinal de contas, é sábado. Estico o braço até alcançar meu celular no criado mudo. Abro meu instagram e vejo as novas fotos. Uau. Quanta gente saiu ontem à noite, só eu mesmo para ir dormir tão cedo numa sexta-feira.

De repente, ouço um som alto, como o de uma explosão. CABOOOM. Será que veio da rua de cima? Algo caindo? Um raio? Um acidente de trânsito?

Volto a olhar as fotos do instagram, despreocupado, quando também começam a disparar alarmes de carro. Deve ter uns três alarmes diferentes disparados. Será um engavetamento?

Volto a ver as fotos do meu celular e me distraio novamente, afinal, as fotos são muito mais interessantes do que o escarcéu que vem da rua. Somente minutos depois decido finalmente levantar da cama, pois será impossível voltar a dormir com o som ensurdecedor dos alarmes e eu já havia visto todas as fotos novas. Alguém desliga esse alarme!

Abro a porta do meu quarto e vou direto ao banheiro. No caminho, avisto a cama dos meus pais desarrumada. Onde eles estão? Eles NUNCA deixam a cama desarrumada. Um mau pressentimento me invade. Os alarmes continuam disparados e agora meu coração parece bater no mesmo ritmo frenético.

— Mãe? Pai? — chamo.

Nada.

Como não encontro nenhum bilhete em casa e não me recordo se meus pais teriam algum compromisso hoje cedo (eles NUNCA deixam a cama desarrumada), tento primeiramente ligar no celular da mamãe. Caixa postal. Tento o do meu pai e, como já imaginava, também cai direto na caixa postal.

Volto para meu quarto, troco de roupa rapidamente e visto meu par de botas. Vou descobrir o que está acontecendo.

UIUUU UIUUU UIUUU

Pronto, agora o barulho de uma ambulância se junta à catástrofe dos alarmes disparados. Por que, por Deus, ninguém faz esses alarmes pararem?

Saio na garagem de casa e, para maior surpresa ainda, meu carro não está lá. Será que meus pais saíram com ele? Opto por ir a pé mesmo, afinal, é minha única alternativa. Aguço minha audição a fim de rastrear o som dos alarmes, o que acaba sendo uma tarefa muito fácil, é impossível não saber de onde eles vêm.

Subo a rua apressadamente, temendo o que vou encontrar. Ao meu redor, pessoas fazem o mesmo, uma multidão de curiosos dispara até o local e alguns até filmam a cena. O que diabos está acontecendo?

Quando finalmente alcanço o local da confusão, uma onda de terror se espalha pelo meu corpo. Primeiro, o som dos alarmes está muito alto, fazendo com que as pessoas ao redor da catástrofe gritem ainda mais alto entre si; segundo, as pessoas estão se empurrando bruscamente para tentar chegar até o local. Enxergo, de longe, o que parece ser realmente um engavetamento, com três carros em posições que não parecem nada naturais e indícios de explosão, embora não consiga chegar perto o suficiente para avaliar a gravidade. Há muita fumaça e neblina, com certeza há vítimas fatais, com certeza...

Meu pensamento dispersa no momento em que avisto meu carro. Congelo dos pés à cabeça. Meu carro faz parte do engavetamento! Tento correr em meio ao aglomerado de pessoas, esbarrando em umas, dando cotoveladas em outras, no desespero de chegar até lá. Algumas pessoas me xingam, mas nada me detém. Estou quase lá quando avisto uma coisa ainda mais esquisita.

Um enfermeiro, que está na frente da ambulância, começa a tossir descontroladamente. Suas tosses logo viram problemas sérios de respiração, seu rosto começa a se contorcer em uma posição medonha. A face começa a azular perante a falta de oxigênio e, quando os outros enfermeiros chegam para ajudar, seu corpo começa a explodir em pequenas feridas que logo se alastram por todo o corpo. Feridas vermelhas e infeccionadas.

Quando avisto mais uma série de pessoas sofrerem crises de tosse semelhantes, sinto que vou desmaiar. Um pensamento invade minha mente e tento, descontroladamente, acreditar que é tudo uma teoria da conspiração maluca da minha cabeça.

O baque. Algo caindo sob um carro? Uma pequena explosão que acabou sendo ocultada pelo engavetamento? A nuvem de fumaça?

Poderia ser loucura, mas poderia ser verdade. Uma espécie de bomba suja, ou qualquer coisa semelhante. Tão sutil, com uma explosão muito pequena. Não foi criada para causar danos com a explosão. Foi criada para espalhar radiação em uma cidade inteira. Talvez, tenha sido lançada daqui mesmo. Um terrorista? Uma arma do Governo? Uma forma de diminuir os números exorbitantes da população que aumentam a cada dia? Ou apenas uma Teoria da Conspiração estúpida da minha cabeça?

Cubro as vias aéreas e disparo em direção oposta. Verifico o sentido do vento e corro contra ele. Talvez eu consiga chegar a um local seguro. Meu Deus, essas pessoas precisam ser avisadas, a cidade precisa ser evacuada!

Em meio ao meu horror e desespero, tropeço em minhas próprias pernas. Quando tento levantar, uma crise de tosse impede que o ar chegue aos meus pulmões. Deitado na rua, mal consigo me sentar. Começo a arfar, sentindo que meus pulmões vão explodir. Minha pele se encobre de feridas vermelhas que deformam meus braços e onde quer mais que elas estejam. Quando começo a expelir sangue pela boca, sei que não terei muito tempo.

Não haverá evacuação. Não haverá sobreviventes. Nossa cidade será dizimada, numa manhã ensolarada de sábado, onde acordei pensando que seria igual às mesmas manhãs de sempre...

Taquicardia e outros sintomas do medoOnde histórias criam vida. Descubra agora