A chuva lavava a alma, o corpo e encharcava as roupas e os cabelos de Christine. A jovem, sem rumo aparente, zanzava pela rua em plena chuva de verão sem se importar com as gotas geladas que caíam em sua pele. Perto dali, o trilho do trem a encarava com um brilho gélido. A trilha que seguia era paralela aos trilhos, Christine não dava a mínima para o trem que apitava longe. Afastou uma mecha ensopada do rosto, sem saber se ria ou chorava. De alguma forma que não entendia, aquela chuva a acalmava. Tornava as coisas mais simples, mais claras, mais poéticas, assim dizendo.
Trazia consigo poucos pertences. Uma caneta no bolso, um laço de cabelo preso ao pulso, uma foto em preto e branco, agora encharcada, cuidadosamente arranjada no bolso da calça. Não portava nenhum documento. Pouco importava quem era.
Seu passado era como a névoa que começava a surgir por entre as árvores que rodeavam a trilha que seguia. Alguns trechos eram nítidos, já em outros pouco se enxergava. Christine também era assim. Pôs uma nuvem sobre uma parte de sua vida e deixou nítida apenas alguns pequenos trechos. Mas, agora, só restava uma fotografia dos pais já falecidos, uns versos rabiscados na própria pele - ilegíveis pela chuva - e um gosto amargo na boca. Caminhava a passos largos, mas não tinha pressa. Nem mais questionamentos. "A vida quis assim" havia virado seu mantra.
Christine perdera os pais na infância, foi criada por uma tia que se mantinha mais ausente que presente. Na adolescência, se envolveu com quem não devia e viveu uma vida de álcool e drogas. Mas nada do que experimentasse preenchia seu vazio interior. Até que, certo dia, vivenciou um romance que iluminou seus dias como um raio de sol após longos dias de chuva. Finalmente viu que também era digna de amor. Teve os momentos mais felizes de sua vida nos abraços de Aron. Pode passar uma borracha em seu passado e decidira com entusiasmo se dar uma segunda chance. Lembrava muito bem do dia em que o garoto segurou sua mão e lhe fez uma promessa. A promessa de que sempre estaria com ela. Enfrentariam tudo juntos. E assim foi. Aron enxugou suas lágrimas, compartilhou dos seus risos, a abraçou forte nos dias em que a tristeza vinha e ameaçava estragar tudo. Cumpriu sua promessa até o dia em que também foi levado de Christine. Um acidente fatal. Uma dor incurável.
O mundo se apagou neste dia. As trevas se fecharam ao redor da garota que nunca mais daria um sorriso sincero. Que perdera a única chance de remendar sua alma.
Tarde demais, soava o apito que vinha.
Longe demais, sussurrava a garota ao vento.
E ali, nos trilhos, Christine encontrou seu caminho. Não hesitou quando avistou o trem. Não hesitou quando saltou com força. Não hesitou quando avistou a oportunidade de reencontrar quem amava. E, após o baque, o corpo já sem vida de Christine despedaçou-se pelo caminho. Mas de nada importava. Se alguém olhasse o bosque nesse exato momento, veria uma menina radiante, abraçada com um garoto, indo ao encontro de um casal. Feliz. Livre. Em paz. Para sempre.
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Taquicardia e outros sintomas do medo
HorrorRespiração ofegante, frequência cardíaca cada vez mais elevada, boca seca e amarga, calafrios por todo o corpo, pelos eriçados, pernas que parecem pesar toneladas. Às vezes, o medo causa um pico de adrenalina que lhe permite correr para longe. Contu...