Acordei numa manhã cinzenta de segunda-feira sem o menor senso de humor. A vontade era de continuar na cama por uma eternidade, no mínimo. A chuva escorria pela janela do meu quarto trazendo um som reconfortante, o que só aumentava ainda mais a minha vontade de não levantar. Fechei os olhos para relaxar por mais cinco minutos, se passasse disso teria que ir a pé ao trabalho, pois o ônibus não iria me esperar.
Levantei com muito esforço, dando uma rápida passada ao banheiro para uma ducha. Coloquei a primeira roupa que vi, ajeitei os cabelos rapidamente, sem escová-los, e nem assim sobrou tempo para o café da manhã, embora eu não estivesse com a mínima fome, o que era raro, uma vez que eu sempre acordava com o estômago roncando.
Saí de casa apressada, jogando a mochila nas costas, a chave com letrinhas coloridas que formavam meu nome - Elisa - na mochila e um pé na frente do outro, assoviando uma música que não saía da minha cabeça. Uma breve caminhada até o ponto de ônibus foi o necessário para me deixar ofegante. Cheguei praticamente morrendo e odiei isso, gostava de estar disposta, principalmente para trabalhar, mas com certeza o cansaço era resultado da noite mal dormida. Soltei um suspiro profundo, enquanto mexia as mãos nervosamente, agarrando a carteirinha do ônibus.
Cinco minutos depois, avistei o ônibus cruzando a rua e vindo em minha direção. Acenei como de costume enquanto enrolava uma mecha do meu cabelo com as mãos, como sempre faço quando estou aguardando algo, neste caso subir logo no ônibus e, com sorte, conseguir um lugar para sentar. Para meu espanto, e desespero, o maldito ônibus simplesmente passou reto, ignorando totalmente minha presença e o meu sinal. Quis morrer, gritar, xingar o motorista de todos os nomes! Mas que dia! Exclamei em um grito entrecortado.
A parte boa é que sempre saio com antecedência de casa, então chegaria a tempo no horário, mesmo indo a pé. A parte ruim seria me arrastar até lá, já que não estava com a menor disposição hoje.
Encarei os fatos, pois, como sempre me diziam, aceitar doía menos. Rumei rua acima com destino ao meu trabalho, no centro da cidade. Coloquei os fones de ouvido no volume mais alto, a fim de dispersar o sono e a preguiça. Sertanejo universitário explodia em meus ouvidos.
Trabalho em um escritório administrativo, localizado a trinta minutos de caminhada de casa. Todos os dias eu mantenho a mesma rotina de trabalho e de vida num geral, trabalhando praticamente o dia todo, gastando mais algumas horas dentro do transporte público e com tempo livre mesmo somente aos finais de semana, os quais costumo aproveitar ao máximo em festas, reuniões em família e momentos comigo mesma, lendo livros ou andando de bicicleta.
Eu tenho muitos planos, mas a cada dia a vida parece mais curta. Sempre me senti presa em uma rotina que, não é ruim, mas também não me permite viver um sonho. Sempre quis muito e mais, mas agora, já adulta, tenho medo e consciência de que estou mais acomodada do que deveria.
A cada passo um pensamento me invadia. Um passo a mais, um minuto de vida a menos. Uma oportunidade de mudar que escapava pelas minhas mãos. Penso nisso até Jorge e Matheus berrar comigo no iPod e me libertar desse transe.
Cheguei ao trabalho sem a menor intercorrência pelo caminho: nada de cachorro correndo atrás de mim, morador de rua pedindo dinheiro ou cantada de caminhoneiro. Foi uma caminhada super tranquila, pelo menos algo bom. Estava mais animada agora para enfrentar as longas horas de trabalho.
Entrei no escritório exibindo um sorriso tímido, exclamei um bom dia não tão animado assim, mas pelo que me pareceu passei despercebida por todos. Ótimo, pensei. Eu não era a pessoa mais sociável do mundo mesmo, ainda mais às oito horas da manhã.
Sentei em minha mesa, que estava estranhamente vazia, muitos dos meus pertences haviam sido retirados. Não encontrei o porta canetas, nem algumas pastas. Alguém deve ter pegado emprestado, sem me pedir. Dei uma olhada rápida conferindo os itens que estavam lá a fim de verificar se eu poderia começar a trabalhar, mas resolvi checar antes com meus colegas se eles realmente haviam pegado os objetos. Levantei da minha mesa, andei até o final do corredor, estranhando o silêncio e o fato dos meus colegas não estarem em suas mesas. Já estava nervosa quando avistei todos na sala de reunião, no final do corredor, com meu chefe em pé na frente dos demais, falando algo. Todos assentiam cabisbaixos.
Eu não fazia ideia do assunto, não conseguia ouvir absolutamente nada através da porta fechada e entendia menos ainda o porquê de não ter sido convocada para a reunião. Caminhei lentamente, sentindo as mãos tremerem de nervosismo. Quando estava quase na porta, a mesma foi aberta bruscamente por Lúcio, meu colega de trabalho, e pude captar alguns trechos da conversa.
- É realmente uma notícia muito triste... para prestar condolências à família... será às 16 horas de hoje, no Velório Municipal... uma perda irreparável... Elisa Castro.
Quando ouvi o meu nome um clarão explodiu em minha mente. Lembrei-me de tudo. Do acidente, do carro preto que entrou na minha frente no cruzamento, da chuva forte sob o capô do carro abafada pela música alta do rádio, das luzes fortes vindo em minha direção... Eu sequer gritei, nem tive tempo, aliás. Os acontecimentos foram tão rápidos, inesperados e intensos...
O baque, a dor, o sangue, o vidro estilhaçando, a perda de consciência...
Imediatamente tudo ao meu redor clareou. Conforme eu ligava os fatos, uma poderosa luz branca invadia o ambiente. Em pouco tempo fui totalmente engolida pelo fulgor. Claridade, esta, que engoliu meus sonhos, meu futuro, até mesmo meu comodismo. Levou as expectativas - e a falta delas - a dor, o remorso, o rancor. Levou a vida que um dia eu teria, o casamento, o casal de filhos. Levou a faculdade, as viagens, as recordações do que não cheguei a ter. Em questão de segundos me roubou o que de mais precioso eu possuía: os momentos que nunca mais viverei.
![](https://img.wattpad.com/cover/39034976-288-k676802.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Taquicardia e outros sintomas do medo
HororRespiração ofegante, frequência cardíaca cada vez mais elevada, boca seca e amarga, calafrios por todo o corpo, pelos eriçados, pernas que parecem pesar toneladas. Às vezes, o medo causa um pico de adrenalina que lhe permite correr para longe. Contu...