Isla
— vou sentar por cima da uma cavalgada, te olhando de costas cara de safada — vejo Helena dançando na sala com um copo de gin na mão — tô a meses tentando te convencer a sair pra gente curtir um funk — ela vem na minha direção enquanto mexe o quadril no ritmo da música que ecoa aqui em casa.
— sussurro não para — canto quando o refrão se repete pela segunda vez enquanto preparo meu suco de morango — nós vamos, bora marcar — ela me olha com deboche como se soubesse que isso é uma mentira — sem caô — dou risada da sua cara.
Olho as horas no visor do celular e percebo que já está perto de ir buscar a Anneska na escola.
— vamos almoçar fora hoje ? — pergunto pra Helena e ela assente.
— onde vamos ? — sorrio pra ela erguendo as sobrancelhas e ela revira os olhos — de novo lá ?
Eu costumo almoçar em lugares aqui perto, mas esse em específico era o nosso restaurante preferido e já faz meses que não vou lá, mas gostaria de ir com a Anneska.
— tu sabe que faz muito tempo que não vou lá.
— dois meses, e depois volta pra casa chorando porque lembrou dele, sei nem o que fazer contigo mais — ela levanta e deixa a taça de gin na bancada de mármore.
Vou para o quarto tomar um banho e trocar de roupa pra buscar a Anneska e irmos almoçar.
......
Estaciono meu carro próximo da escola, observo várias crianças no portão saindo com seus pais e fico olhando por um tempo. Vejo um casal se aproximando de um menino pequeno, em torno de uns quatro anos, o pequeno vibra com a presença deles e isso aperta meu coração.
Eu sei e sinto que Anneska é feliz comigo, mas e se não for o bastante, e se ela realmente precisar da figura dele por perto ? Afinal, toda menina deveria ter a proteção de um pai ou uma figura masculina por perto, pra ter um exemplo.
— para de pensar demais, Isla. Anneska ainda é pequena, dá tempo de voltar atrás e apresentar os dois — desvio meu olhar das crianças pra ela, respiro fundo e desço do carro indo até o portão todo decorado com ilustrações.
Quando chego mais perto consigo ver minha filha brincando com o Lucca enquanto ele também espera seus pais, e apesar de estudarem juntos eu nunca conheci sua família, digo isso por eles serem muito amigos, Anneska fala dele com frequência.
Assim que Anneska me vê, ela abre um sorriso e vem na minha direção acompanhada do amigo.
— mamãe — ouço ele gritar e olho pra trás querendo conhecer a mãe do melhor amigo da minha filha, mas um baque me toma.
— Isla ? — Júlia me olha como se eu fosse um fantasma e nessa hora eu perco até o ar, seu olhar desce até a Anneska e seu semblante de surpresa se transforma pra confusão.
— Júlia, me ouve — ela maneia a cabeça em negação e ali eu já sinto meu corpo formigar em nervoso — vamos sair daqui, almoçar e eu te explico tudo.
— vou aceitar, mas não em consideração a você, porque eu deveria voltar agora mesmo pro morro e contar a verdade pra ele.
— ela não...
— não é filha dele ? Quer mentir pra quem Isla ? A menina é a cara dele.
Permaneço em silêncio enquanto ela me dá as costas caminhando até seu carro, ela ajeita Lucca na cadeirinha e fecha aporta.
— pra onde vamos ? — me pergunta com um olhar que não consigo decifrar.
— aquele perto da praia, onde íamos — ela assente e da a volta entrando no carro.
Vou em direção ao meu carro ajeitando também a Anneska, o olhar afobado da Helena me persegue e eu fico em silêncio, mas quando entro pela porta do motorista ele é quebrado.
— ela vai contar — ela diz assim que coloco o sinto e ligo o carro.
— não vai.
— vai sim, sabe que vai. Ela considera ele como um irmão, tem anos que se conhecem, acha que vai mentir pra ele por você ?
— por mim não, mas pela Anneska talvez, ela sabe o risco que nossos filhos correm.
— isso não muda o fato de que ela vai contar pra ele, seja o risco que for é capaz até dele te enfiar no morro — fito seu rosto por breves segundos e direciono meu olhar pra pisca novamente.
Ela tá certa. Ele faria isso.
Vou guiando o carro até o restaurante que combinamos e desço junto com minha filha e a Helena, na entrada já consigo ver ela sentada ao lado do Lucca.
Me aproximo e ajeito Anneska na cadeira própria pra criança, Helena se junta com a gente e cumprimenta Júlia, que faz o mesmo.
Seu semblante sério só me deixa mais nervosa, seu olhar de reprovação e decepção me condenam sem dúvidas.
O garçom se aproxima e logo fazemos os pedidos, quanto mais rápido essa conversa acabar melhor.
— não acredito que fez isso, sabia o quanto ele queria um filho — sua voz em um tom baixo fitando minha filha ao meu lado, seus olhos passam por seu cabelo, seus olhos e cada detalhe.
— sabia também o quanto ele queria uma família, mas quem destruiu isso foi ele.
— fez pra te proteger, errou mas foi tentando acertar. Ele não queria inimigos se aproximando de tu.
— e decidiu que a melhor maneira seria mentindo quem ele é ? — Júlia não contesta mas fixa seus olhos nos meus como um ímã.
— ele te ama, Isla. Faria tudo pra tu ser inalcançável pra qualquer um, ele errou e errou feio em não te contar a verdade, mas isso te da o direito de esconder uma filha ?
Olho pra Helena, que apesar de não gostar do tom que Júlia usa, concorda com ela e eu sei disso porque ela já disse a mesma coisa pra mim por diversas vezes.
— e agora, se eu contar sobre ela o que acha que ele vai fazer ?
— não sei, talvez ele te perdoe por perder dois anos da vida dela, mas se continuar escondendo ele pode nunca te perdoar.
Sei que tem razão, Vinicius ficaria furioso e eu nem sei por onde começar, mas eu vou contar.
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Mentira Letal [M]
General FictionIsla e Fagundes são de mundos completamente diferentes, mas que por uma fração de segundos se atraíram e dessa atração um amor avassalador e intenso nasceu, esse mesmo amor trouxe para Isla uma decepção. Uma mentira letal transformou o rumo de suas...