Não tem "mas"

74 7 1
                                    

Isla

tudo certo com o estoque meninas, acabei de conferir as peças, aquelas que tiverem defeitos podem colocar de volta lá que eu faço a troca com o fornecedor — passo as instruções pra Ashiley e pra Vanda que gerenciam em conjunto quando não estou aqui.

Ajeito o cos da legging no meu corpo, tô pronta pra ir pra academia mesmo morrendo de preguiça, tem coisas que só a Helena pra me convencer a fazer, tipo isso.

Me sinto estranha. Uma sensação estranha a alguns minutos, algo diferente que meu corpo sente, ele capta essa sensação um tempo desde que entrei na loja.

Eu não sinto isso a anos, mais exatamente desde que vi o Vinicius pela última vez. Mas tá errado, impossível depois de tantos anos ele me encontrar justo aqui.

Recebo uma mensagem da Helena me lembrando sobre não me atrasar porque o instrutor que ela contratou esperava nós duas pro primeiro dia, e acredito eu que o último, de treino.

Passo meus olhos pela porta de vidro e assim que saio ela se fecha devagar, avisto um carro a poucos passos do meu, mas não vejo quem está dentro.

Adianto meus passos andando até meu carro, destravo as portas e assim que toco a maçaneta o perfume que bem conheço invade minhas narinas, como se o passado tivesse cravado em minha mente eu inspiro e solto devagar. Me viro pra trás não querendo acreditar que possa ser ele.

— Vinicius ? — fico surpresa, quase sem reação.

Ele está ali, na minha frente. Como eu sempre quis que estivesse todos esses anos, mesmo que negasse pra mim mesma.

— eu disse que viria atrás de tu, que te encontraria — ele faz menção de encostar em mim, mas eu me afasto — não faz assim.

— não faz você — minha voz saiu baixa, mas firme — eu disse pra não me procurar, disse que iria embora e que não queria te ver, não entendeu ?

— entendi sim, mas isso era o que tu queria, não eu.

— você disse que ia respeitar minha decisão.

— mas não vou mais.

— Vinicius, vai embora — e como se minhas palavras fossem nada ele se aproxima.

Nossos corpos tão próximos, tão juntos que não consigo entender onde erramos um com o outro. Tão juntos que quase consigo esquecer o que a mentira dele causou em nós dois. Tão juntos que nossas respirações se misturam, assim como quando fazíamos amor, ofegantes e cansados.

— como ? Como eu vou embora depois de sentir teu cheiro, depois de ficar tão perto de você ? Não me maltrata assim, minha tropical — levantei meu rosto encontrando o seu, sua mão veio tocando meu rosto e ele juntou nossas testas me fazendo um carinho.

Eu sentia meu coração inchar no peito, quase que saindo pra fora e rasgando minha pele. Era isso que ele me causava.

Nem consegui raciocinar, mas quando me dei conta as lágrimas já desciam em meu rosto, e meu soluço já era audível por nós dois e eu não queria sair dali.

Era uma guerra dentro de mim, meu corpo lutando pra ficar junto com meu coração e minha mente me dizendo que eu não poderia me colocar em risco junto com a Anneska.

Minha mente gritava, mas eu não conseguia obedecer, ela me avisava que ele mentiu, que fingiu ser outro alguém e que me enganou.

— tu ainda é minha mulher, Isla e sabe disso — sua voz cortou todos os meu pensamentos me fazendo encarar seus olhos — volta pra mim, meu amor.

— sou apenas no papel, Vinicius e nada mais que isso porque você não quis assinar.

— e tu também não queria, se não tinha pagado uma nota pra isso — ele tava certo, eu não queria mesmo.

Mas agora a questão era outra, ele iria me odiar quando descobrisse sobre nossa filha. Eu ia atrás dele, ia contar e expor todos esses anos mas agora que ele me achou, como vou dizer ?

— a gente precisa conversar.

— sobre o que tu quiser — seus olhos penetrando os meus, tão fundos que sinto até minha alma exposta — tá indo pra onde ?

— academia — ele franziu as sobrancelhas e eu quase sorri.

— tu nem gosta dessa parada aí.

— coisa da Helena — ele concordou com a cabeça e segurou minhas mãos, nossos dedos entrelaçados.

— vai voltar pra mim ?

— Vinicius...

— não, Isla. Não inventa a porra de uma desculpa, tu quer voltar, eu sei que quer.

— não é fácil assim e você sabe, meus motivos ainda são os mesmos de antes e agora são até maiores — nossos olhos ainda em sincronia falavam tanto quanto nossas bocas.

— eu vou te proteger, eu prometo.

— como me protegeu aquele dia em que entraram na nossa casa ? — perguntei soltando nossas mãos, minha voz levemente alterada — tu nem tava lá, e nem quero saber onde tava — fiz menção de entrar no carro mas ele me impediu.

— uma chance, uma oportunidade de mostrar que vou te proteger e que nada vai te acontecer enquanto estivermos juntos — aqueles malditos olhos pretos focados em mim não me permitiam raciocinar.

— preciso de tempo, preciso pensar se é certo colocar a nossa vida em risco assim — não percebi, mas inclui ela nessa frase involuntariamente.

— nossa ? — ele indagou sem entender.

— sim, nossa. A minha e a sua — desconversei — eu seria seu ponto fraco, um alvo em você.

— para de pensar besteira, eu já disse que nada vai te acontecer, tu vai tá guardada e vigiada vinte e quatro por quarenta e oito.

— Vinicius, me dá meu espaço, meu tempo pra pensar — ele assentiu conformado.

Entrei no carro quando ele deu espaço e coloquei a chave na ignição, ele observava meus movimentos bem atento, cauteloso.

— Isla — eu já sabia o que ele pretendia, nos conhecíamos tão bem que ele nem precisava falar.

— por favor, não vem aqui de novo, não tenta entrar na minha vida assim, minha opinião sobre tudo o que aconteceu é a mesma, só tenta entender.

— eu entendo, tô ligado que eu agi errado que eu não fui responsa na minha conduta, mas...

— não tem "mas", preciso conversar algo com você — olho diretamente nos seus olhos, os olhos que sou apaixonada mesmo tentando negar — é importante — ele confirma calado, se afasta da porta e me olha assim como eu olho pra ele.

— essa parada aqui não vai ter fim, tropical. Meu sentimento não mudou, e nunca vai mudar — desvio meus olhos do dele, dói demais não estar perto, não beijar — te acho como ?

— eu te acho, tá no mesmo lugar da outra vida ? — ele bufa e eu me repreendo mentalmente por ser assim.

— tô, cê sabe onde — eu confirmo e fecho a porta do carro, respiro fundo e aciono a seta, indicando que vou sair da vaga.

Sinto meu coração bombear mais sangue que o normal, meu corpo grita e se expressa fácil, vejo meu celular tocando mais uma vez...Helena já estressada pelo meu atraso.

Mentira Letal [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora