Jeitinho da tropical

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Fagundes

— tu acha que ela vem ? — pergunto pro Monteiro, sentado no sofá da sua casa enquanto jogamos uma partida de futebol no videogame.

— Isla sempre cumpriu com a palavra dela, se ela disse que vai te procurar, então ela vai.

Uma semana se passou desde que eu e ela nos encontramos. Eu prometi não ir atrás, prometi não aparecer na loja e é isso que eu vou fazer, vou dar o espaço que ela quer mesmo acreditando que já passamos tempo demais longe um do outro.

Eu sei que a pior parte dessa história é a mentira que eu fiz com que ela acreditasse, imagino que ela nunca perdoaria mas eu vou fazer o possível pra mudar isso, pra ter ela aqui ao meu lado.

— qual foi, olha a porra do placar — Monteiro me cutucou e eu fixei meus olhos na tv — que humilhante. Perdendo de quatro a zero.

— tô nem com cabeça pra essa porra — larguei o controle no sofá e apoiei os antebraços no meu joelho.

Monteiro só observava, ele deixou o controle junto com o meu e ficou em silêncio.

— tu sabe que tô contigo antes da caminhada — comecei a prestar atenção em suas palavras — sei quem é o Vinicius antes e depois disso aqui, e antes e depois da Isla.

— não tem muito de mim depois dela.

— tá certo, tu se fechou. Errou e sabe disso, assumiu e pronto...Isla tava acostumada com uma realidade completamente diferente da tua e foi isso que vocês viveram, essa realidade aqui — apontou pra porta da casa — ela não conheceu.

— tá falando de quê ?

— tô falando que ela conheceu o Vinicius, não o Fagundes...ela sempre teve de tu o teu melhor lado, mas e o pior ? Ela aguenta ?

— a Isla é uma mulher de garra, força e vontade, ela aguentaria isso e muito mais.

— então por que tu não passou o papo reto quando conheceu ela ?

— é diferente.

— diferente porque tu quer acreditar nisso, acreditar que ela vai voltar e viver aqui só porque tu vive.

— tô entendendo esse teu papo não, tá querendo dizer que ela não vem morar aqui ? — ele apenas abriu os braços e se calou enquanto olhava nos meus olhos.

— eu não desmereço a mulher que ela é, mas ela conheceu de tu uma realidade que não é tua, e agora vem a questão: ela te quer com tudo isso que vem no pacote ? Droga, arma, bala perdida, dinheiro sujo, invasão, morro.

Eu não tava pronto pra responder e ainda bem que a Júlia interrompeu nossa conversa quando entrou junto com o Lucca e uma outra menina.

Uma menina tão linda quanto qualquer outra criança que eu já tenha visto. Os olhos acinzentados, cabelos cacheados e a pele morena. Me lembrava tanto ela, talvez se tivéssemos uma menina ela seria assim.

— vem Anneska — franzo o cenho ao ouvir seu nome, incomum mas tão lindo.

— anne o que ? — Monteiro indaga sem saber pronunciar.

— An-nes-ka — Júlia separa as sílabas quase soletrando — isso que dá deixar o terceiro ano pra trás.

Lucca segura a mão da pequena, que fica envergonhada com todo essa falatório. Os olhos curiosos vagam por toda parte da casa. Videogame, sofá, os brinquedos que estavam próximos do hack.

— que foi ? — olho pra Júlia que me observa.

— não sei, ela é tão...— seus olhos vão até a menina e voltam pra mim — tem o mesmo jeitinho da tropical — Júlia apenas concorda e vai até a cozinha.

— papai — Lucca chega perto do pai puxando a mão da amiga — ela é minha namorada — ele junta as mãos como uma concha e sussurra para o Monteiro.

A menina dá uma risadinha e eu franzo as sobrancelhas.

— não é não, Lucca, tu nem tem idade pra isso, cara — ele fecha a cara na hora.

— a Anne não pode ter namorado, Lucca — a voz doce finalmente é ouvida. Tão doce e suave quanto imaginei que fosse.

— o pai dela te pega, filho, papo reto — Monteiro diz isso aos risos e Lucca olha diretamente pra Anne.

— ela não tem um papai — o semblante da pequena se entristece.

— não tem um pai, Anneska ? — perguntei pra ela. Seus olhos encontraram os meus e por alguns segundos eu senti que conhecia a Anneska.

— a mamãe diz que não — ela respondeu do jeitinho dela.

— a tia Is...— Lucca foi interrompido pela Júlia que chamou lá da cozinha.

— Lucca, Anneska, vem comer — tanto ele como a menina foram em direção da cozinha.

Anneska era quieta até o momento, mas quando a Júlia chamou pra comer ela sorriu de ponta a ponta. Ela olhou pra mim e com a mãozinha fez um sinal pra que eu fosse junto. Eu levantei do sofá e dei a mão pra ela, tão pequena que sumia no meio dos meus dedos.

Mentira Letal [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora