Memórias que perseguem

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Isla

— Helena, fala pra mim que isso é brincadeira — fito seus olhos que se desviam de mim para o espelho a nossa frente — você e a Júlia tão tentando acabar com o pouco de sanidade que me restou depois de tudo.

Ainda sem acreditar no que fizeram eu me levanto do pequeno colchonete onde fazíamos as malditas abdominais. Caminho até o vestiário feminino da academia que Helena nos inscreveu, eu nem consigo acreditar que superei três dias dessa palhaçada dela.

— Isla — ouço seus passos bem atrás do meu corpo — ele não vai saber que é filha dele.

— vocês não tem esse direito, Helena — minha respiração pesada sai pelas narinas como brasas de fogo — eu — aponto para mim mesma com o dedo indicador da mão direita — deveria escolher o momento certo, desde que vi ele não tive coragem de pisar no morro onde mora, por que acha que levar Anne até lá seria uma boa ideia ?

— eu sinto muito por fazer isso sem sua permissão, mas as crianças queriam muito brincar depois da escola, pensei que não tinha mal nisso — cada palavra me deixa mais irritada, prefiro não responder do que ser rude com ela.

Hoje o dia começou cheio de afazeres, reuniões sobre as lojas, encomendas de produtos, compras das peças e muitas coisas que tenho que lidar como responsável. Helena lidou com tudo isso na semana passada, então essa semana seria minha, acabei ficando sem tempo de buscar a Anne na escola e pedi ajuda para Helena. Mas se eu soubesse que ela faria uma besteira dessas eu teria evitado pedir ajuda.

Entrei em uma das cabines do vestiário e tirei as peças que grudavam em meu corpo por conta do suor, Helena deve ter entendido como um pedido de silêncio pois não ouvi mais sua voz.

A água gelada caia sobre minhas costas tirando o suor e o calor que fazia minha pele gritar por socorro. Soltei meu cabelo que estava preso e entrei por completo embaixo do chuveiro à gás.
Massageei o couro cabeludo pra que a água molhasse cada fio do meu cabelo. Shampoo, condicionador e toda a rotina de sempre.

Quando desliguei o chuveiro e me enxuguei para sair do box ela já estava vestida com outra roupa e os cabelos estavam secos, provavelmente porque hoje ela iria lavá-lós no salão.

Em frente a pia que tinha um espelho, depois de me trocar com um conjunto de shorts alfaiataria e um croped regata, penteio o meu cabelo. Desligo a escova sobre os fios pacientemente. Helena me olha através do espelho, sei que está ansiosa e que quer se justificar mais milhões de vezes.

Não quero que ela fique se martirizando, claro que não apoio sua atitude, mas minha amiga não fez isso com a pior das intenções e ela jamais colocaria a vida da Anne em risco.

— Helena, eu não tô com raiva — sua feição muda para um sorriso um pouco contido — eu só fiquei irritada, tenho medo de toda essa situação — ela concorda com a cabeça, confirmando pra mim que entende meu posicionamento diante da situação.

Vejo ela se levantar e caminhar até mim, ela apoia o queixo em meu ombro, somos praticamente do mesmo tamanho. Cada uma de suas mãos vem de encontro aos meus braços e ela alisa como um gesto de conforto, nossa imagem no espelho me faz retornar a anos atrás no colégio.

— me desculpa, eu prometo não me meter mais e nem fazer algo assim de novo sem sua autorização — eu concordo com ela e como gesto de carinho também toco seus braços com minhas mãos, cruzando os dois.

......

Depois de deixar a Helena em casa resolvi buscar algumas mercadorias e olhar pessoalmente no fornecedor as novidades. Bijuterias, semijoias e joias montam uma mulher com estilo e personalidade. Acessórios revelam muito dos nossos gostos particulares e isso sempre fez parte de quem sou.

Levo minha mão em direção ao som do carro e troco a música que toca para um dos funks que martela em minha mente repetidamente. Algo que poucos imaginam quando me veem é que meu gosto pra música é eclético.

Olho no retrovisor após indicar a seta para esquerda e estranho ao perceber que o mesmo carro de uns trinta minutos atrás ainda está atrás do meu carro.
Temendo por isso, com algumas lembranças que detesto ter, viro em uma rua diferente do caminho que deveria fazer e o carro continua me acompanhando.

Uma angústia começa a me tomar e meu peito se enche de medo, sinto o suor frio se acumular em minha testa e minhas vistas querendo ceder ao medo. Piso no acelerador com um pouco mais de firmeza, tentando obter alguma vantagem sobre quem me persegue.

Sinto minhas mãos suarem e por pouco não perco o controle do volante. Meu coração vai sair pela boca a cada farol que passo torcendo pra que o vermelho apareça e impeça eles de seguirem, já me sinto perdida por virar tantas ruas que não conheço.

não quero ouvir uma palavra sequer de você, Vinicius — vejo sua expressão temente em seu rosto e sinto uma ira me consumir — não me olha assim, como se eu estivesse errada, quem eram aqueles homens ?

— já falamos sobre isso, Isla — ele afirma pra mim, falando sobre a discussão que tivemos logo após invadirem nossa casa.

falamos ? Não tive uma explicação sua sobre isso, Vinicius — sinto meu sangue bombear mais forte, a raiva consumir minhas veias e minha cabeça latejar pelo tom de voz que uso.

Isla, só tenta ter paciência, vou resolver tudo isso — nego freneticamente, dando a entender que nenhum tempo seria suficiente pra livrar ele de me explicar tudo.

Mentira Letal [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora