Falar da tropical é um erro

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Fagundes

Ouço a música tocando nas caixas espalhadas pela área externa da casa do Monteiro, alto pra caralho, tanto que os vidros tremem...já, já essa porra estoura. O sol batendo forte no meu corpo enquanto tomo meu whisky com gelo de coco.

Sinto o cheiro da carne assando e automaticamente minha fome é atiçada. Olho pro Braza que tá na maior brisa com o baseado e tomo mais um gole da minha bebida.

— pai, por favor — a voz do Lucca chega até nós, ele chorava como se tivessem pego o boneco preferido e quebrado ele em vários pedaços, uma birra sem fim.

— Lucca, eu já falei que não — ele passa um olhar sério pro meu afilhado que murcha mas não para o choro.

Vejo ele indo pra cozinha onde a Júlia prepara as paradas do almoço. Ele entra todo amuado se sentando no tapete com vários brinquedos espalhados e o rostinho emburrado. Me levanto da cadeira de plástico e vou até a churrasqueira pra pegar alguns pedaços de carne e o Braza acompanhada, baseado dá uma fome da porra.

— caralho, irmão — ele respira fundo, quase nunca tá puto mas as vezes o Lucca consegue.

— qual foi, tu nunca fala não pra ele — pego um pedaço fatiado da picanha mal passada e coloco na boca sentindo o gosto do sal grosso temperado.

— tá querendo ir pra casa de uma amiga da escola, mas o problema nem é esse — olho pra ele querendo saber qual o problema então — a pirralhinha mora na pista, tu sabe que eu não confio nem na minha sombra porra.

— tu colocou ele numa escola de playboy e queria que os amigos morassem onde ? Aqui no morro ? — pergunto como se fosse óbvio e ele bufa concordando.

— Júlia enche minha mente com isso, não é a primeira vez que ele pede e é sempre a mesma amiga.

No fundo eu queria saber o que ele sentia, sempre quis um filho, mas as circunstâncias não permitiram que fosse no tempo em que eu estive com ela. Talvez se a gente tivesse um filho estaríamos juntos agora.

— deixa o moleque ir, pô — ele me olha como se eu fosse louco — coloca uma contenção na frente da casa da menina e eu busco ele.

— tá maluco, tu ? — ele me encara como se eu tivesse dito o maior dos absurdos, mas eu consegui durante anos manter minha ficha limpa.

— não tô fichado, tu sabe que minha cara sempre teve no sigilo.

— o menor nem parece que é cria, só vive dentro de casa jogando vídeo game — Braza pega um pedaço de carne ao meu lado e vejo o Monteiro virar na sua direção.

— arruma um filho e cria do teu jeito, por isso que esse povo de internet fica doido com o povo dando pitaco na criação do filho deles.

Monteiro antes de ter o Lucca era cem por centro curtição, putaria e os caralho, mas depois de construir uma família com a Júlia o bagulho ficou diferente. Tudo referente ao Lucca é mais sério do que qualquer outro assunto, até mais do que o tráfico.

Júlia passa pela porta de vidro e coloca algumas coisas em cima da mesa, hoje foi churrasco só pros fiéis mesmo, com excessão de quem acabou de chegar.

Lucca trás os copos de plástico na mãozinha pequena com todo cuidado, como se fossem de vidro e logo atrás dele vem a Safira, prima da Júlia. Desvio meu olhar pro pequeno e ele olha pra mim com um sorriso enorme. Humor de criança é bagulho louco.

Passo meus dedos pela sobrancelha ajeitando os fios e olho novamente pra Safira. Ela vem em nossa direção usando um vestido amarelo que contrasta bem com o tom negro da sua pele, o cabelo liso e longo beirando a cintura e todo arrumado.

Ela se aproxima da Júlia e cumprimenta alguns outros que tão junto com a gente aqui na casa do Monteiro. Vejo o momento em que ela olha pro Braza e ele faz uma careta enquanto eu seguro o riso, Monteiro me cutuca e solta uma risadinha enquanto eu apenas mantenho minha postura.

— quanto tempo, achei que não te veria tão cedo — sua voz levemente fanha entra pela minha audição.

— traficando muito pra comer picanha — pego mais um pedaço de carne enquanto ela me olha de baixo pra cima.

Safira é o tipo de pessoa agregada da família. A Júlia chama por educação já que ela é sozinha, mas até aí não tem problema. A questão aqui é o jeito e o caráter dela que não batem com o meu, ela é forçada, mas meu problema com ela surgiu quando o nome da Isla foi pronunciado pela sua boca.

— é bom assim, rico e gostoso — piranha do caralho.

tudo isso aí, mas não é pro teu bico não — sinto o sangue circular pelo meu corpo com mais rapidez cada vez que sua voz pronuncia as palavras, como se a raiva me tomasse pouco a pouco.

— tá certo, só te merece mesmo as burguesinhas de Copacabana, pena que não aguentam o tranco da vida de mulher de traficante e metem o pé — avanço dois passos me aproximando dela, meus dedos adentram pelos fios do seu cabelo puxando eles pra trás com uma certa força.

— Safira ! — Júlia vem até nós enquanto o restante do pessoal olha a cena — filha da puta mesmo.

— ouve bem o que eu vou te dizer, porque se não entender agora, na próxima o meu rosto é o último que tu vai ver antes do teu velório — seus olhos abrem quase pulando pra fora do rosto e sua expressão de medo se faz presente.

Por mais que comentários como esse ou ela caçoar da Isla já tenha acontecido, nunca foi na minha frente e eu sou o tipo de pessoa que avisa apenas uma vez, não trabalho com meia palavra e nem mesmo volto atrás em uma decisão.

— tá ouvindo direitinho não tá ? — pergunto antes de continuar e ela afirma — se eu sonhar que tu anda tocando no nome dela ou até mesmo fazendo comentários como esse cheios de gracinha — levanto meu olhar e percebo ao redor como todos olham pra cá, Júlia se mantém afastada mas com uma cara de irritação enquanto o Monteiro continua cortando o bife de picanha em tiras — eu faço tu engolir esse teu deboche junto com a tua língua, isso se eu não arrancar ela antes, sabe como funciona né ? Só fala demais quem a língua não cabe na boca e eu não teria problema nenhum em arrancar ela fora pra te ajudar com esse probleminha — seus olhos já estão banhados pelas lágrimas e eu pouco me fodendo pra isso.

Solto o cabelo liso que eu mesmo baguncei e ela quase se desequilibra, vejo ela indo em direção a porta de vidro que dá acesso ao interior da casa e respiro fundo sentindo o ar inundando meus pulmões novamente.

— falar da tropical é um erro que não se deve cometer, burro é quem tenta né não, meu tesão — olho pro Monteiro e ele se cala sabendo que ela é um assunto que eu não pretendo falar sobre.

Mentira Letal [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora