III

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O silêncio era incômodo demais. O único som que ressoava na casa era aquele tic tac que o relógio fazia, no mesmo ritmo em que meu coração batia. Tic, toom. Tac, toom. Nem os passos de Sonic eram ouvidos. Era como se ele estivesse pisando em nuvens, calculando cada pisada.

E quando o céu se tornou escuro, o som da maçaneta na porta girando me fez saltar do sofá, o local onde fiquei jogado o resto do dia. Entrando na casa, Shadow estava lindo como sempre: aquele terno azul marinho destacava nele, não aparentando cansaço, apesar de ser óbvio que seus pés doíam de ir para lá e para cá anotando pedidos, levando pratos da cozinha às mesas e vice-versa.

- Oi, gatinho - cumprimenta ele, fechando a porta antes de vir até mim e deixar um beijo tenro em minha testa. - Como foi seu dia?

Uma bosta, tive vontade de dizer, mas não poderia me dar ao luxo da verdade.

- Foi bom. Normal - respondi rapidamente, sorrindo para enfatizar o suposto sentimento de calma.

- Isso é ótimo! - exclama, largando suas coisas no sofá onde antes eu estava. Quando ia subir as escadas, pareceu notar a janela aberta por onde Mephiles havia entrado e saído. Nem eu me lembrava daquilo, tampouco Sonic viu. - Ué, a janela tá aberta por quê? A casa vai encher de mosquitos! - Ele se apressou em fechá-la, pegando um pedaço de papel que estava preso no vidro. - É seu?

Claramente não, mas eu não poderia deixá-lo perceber que mais alguém esteve ali, portanto tratei de tirar aquilo de suas mãos, segurando a careta assombrosa que tentou perpassar meu rosto.

Era um desenho muito bem feito de uma Hello Kitty dos olhos negros sangrentos. Como uma representação de quem esteve ali anteriormente.

Como uma marca.

- É meu - respondo, por fim. Me negava a olhar Shadow, a folha um pouco amassada nas pontas pelo tanto que a apertava. - Deve ter voado com o vento e se prendido ali.

Ele somente riu, subindo para o quarto. Pude ouvir quando cumprimentou Sonic, prosando juntos nos aposentos.

Minhas mãos tremeram quando fiz uma bola de papel com aqueles rabiscos, atirando-a até a lata de lixo. Graças à minha mira perfeita, a bolinha acertou o canto da lixeira e caiu no chão. Podia sentir meu ser ardendo em chamas, como se estivesse em cima de uma fogueira, agraciado com a dor do fogo consumindo meus membros de fora para dentro. A vontade de gritar era imensa, mas não poderia fazê-lo.

Me negando a deixar os sentimentos tomarem conta, peguei aquele lixo, o jogando onde deveria estar. Rumando ao banheiro, lavei o rosto com a água gelada, deixando-a escorrer pelo meu peito, molhando meus pelos e blusa. Após me secar e sair do local, meus pés pararam imediatamente, escutando meu nome vindo da parede do quarto.

- O Silver tá por aqui? - perguntou a voz abafada de Sonic do outro lado.

- Não, ele tá lá embaixo - respondeu Shadow, sua voz igualmente abafada.

- Eu queria conversar com você sobre ele.

Era errado ouvir, mas era sobre mim. A necessidade de saber sobre o que falavam era grande demais para ser ignorada, além do medo de terem descoberto o que escondia. Por esse motivo, cheguei mais perto da porta, onde conseguia escutar com mais clareza.

- Pode falar - disse Shadow, sendo seguido pelo suspiro de Sonic e, então, sua fala.

- Quando eu cheguei hoje, ele tava chorando. - Uma pausa. Uma pausa longa demais para o meu gosto. - Ele tava tão desesperado... Era como se tivesse visto algo que o assustou.

- Ah, mas ele não é de chorar - cortou o mais escuro.

- Eu sei! Por isso eu tô achando que ele tá estranho. Ontem tava tudo tão bem! - continuou Sonic, e pelo som, ele estava sentado na cama, se movendo, talvez se ajeitando. - Ele me falou que era saudade, mas... chorar daquele jeito por saudade? Ele é mais forte do que isso. Eu não entendo, de verdade. O que faria nosso Silver chorar tanto ao ponto de tremer e soluçar? Eu tô preocupado com ele, Shads...

Behind The Shadows (Volume 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora