perspective

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Soraya POV

Perspective (n.): Nós olhamos para as mesmas coisas, mas vemos coisas grandemente diferentes.

Até a metade do processo do desenho de reprodução número quarenta eu já havia desistido da ideia de conseguir atingir o mesmo grau de perfeição do desenho original, não esperava fazer grandes avanços até o desenho de número cem, principalmente considerando que o meu grau de avanço do número um ao número trinta e nove havia sido pouco e talvez por isso eu estivesse sentindo uma emoção tão grande ao ver o desenho de número cem terminado, colado à minha prancheta, às onze horas e trinta e quatro minutos da noite da segunda-feira anterior ao dia em que eu deveria entregar os meus cem desenhos à professora Nassar.

A minha reprodução de número cem estava exatamente igual ao desenho original.

— Uau. — Helena estava parada ao meu lado, com o queixo caído. Seu estado de espírito era de tanto choque que sua voz quase não saiu.

Eu não conseguia falar absolutamente nada a respeito daquele desenho, na realidade, mal podia acreditar que eu mesma o havia feito, e mal podia acreditar que eu havia conseguido terminar.

A contemplação do desenho cem me causava tantas emoções misturadas que de tão enormes, ficaram entaladas no meio da minha garganta. Eu sentia orgulho de mim mesma por ter conseguido acabar, por ter conseguido fazer os cem desenhos; sentia muito mais orgulho de mim mesma por ter conseguido ter uma evolução tão significativa e impressionante no que dizia respeito aos meus traços para desenho; sentia-me preenchida por ter conseguido ser determinada por alguma coisa que eu amava apaixonadamente e por fim, paradoxalmente me sentia grata por Simone Nassar ter me desafiado daquela maneira, por ter me feito sentir a forma como deveria desenhar para ter um traço próximo à perfeição, por ter tocado a minha mão e guiado meus traços e assim me feito entender que o desenho perfeito estava dentro de mim e eu só precisava colocá-lo para fora; mas ao mesmo tempo, sentia-me irritada com todo o resto que dizia respeito à ela e eu mal podia esperar pelo momento em que eu poderia entregar aqueles desenhos e provar que eu era capaz de fazer aquilo que ela provavelmente achara que eu não podia.

— Uma coisa você não pode negar, So... — Helena continuava parada ao meu lado falando em um tom altamente contemplativo e pasmo. — A Simone pode ser uma bruxa, mas olha só como seus desenhos estão por causa do que ela mandou você fazer... — Ela aproximou o rosto do desenho, ajeitando os óculos no rosto. — Ainda estou obcecada com os detalhes na maçaneta. Nem acredito que isso tudo foi feito à mão. Você tem que ter usado alguma régua, não é possível. — Ela falava, com o rosto quase colado no papel para enxergar melhor os detalhes e assim, invadindo todo o meu espaço.

— Também não podemos negar que ela me deve uma mão nova. — falei, tentando aparentar indiferença no assunto Simone Nassar.

Desde o sábado anterior, Helena nunca mais falara a respeito do assunto "lesbianismo" comigo. Tampouco eu falara de Simone outra vez. Não que uma coisa estivesse relacionada à outra... Ela havia percebido que o assunto era delicado para mim e que eu não me sentia nada confortável em falar a respeito e assim, respeitou isso.

Girei na banqueta e pulei para fora e Helena prontamente sentou-se onde eu estava, continuando com o rosto colado no desenho.

— É incrível como está exatamente igual. Parece que você tirou uma cópia, garota. — Ela não cansava de falar do desenho. — Se eu não tivesse visto com meus próprios olhos você fazendo isso, duvidaria que fosse verdade.

Eu me sentia feliz e realizada com o desenho de número cem, mas o noventa e nove não estava tão diferente dele e tampouco o noventa e oito. A verdade é que desde o meu momento com Simone na manhã de sábado, os desenhos começaram a fluir de mim com uma facilidade enorme.

infinity | simorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora