silencenus

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Soraya POV

Silencenus (n.): o intenso desejo de silenciar a própria mente.

O vento gelado entrava por uma frecha muito pequena de vidro entreaberto e tocava a pele exposta do meu braço esquerdo que estava encostado no batente da janela. Às cinco horas da manhã, haviam poucos sinais de sol, ou nenhum, exceto pelo clima especialmente mais gelado e pela noite em sua hora mais profundamente escura que prediziam que em breve o sol apareceria.

Não mais do que uma hora havia se passado desde que eu havia dormido e acordado outra vez, despertada por um pesadelo angustiante. Dormir de novo foi tão ou mais angustiante quanto, então, eu havia decidido sentar no largo beiral da janela principal do quarto e esperar pela hora em que eu deveria, tecnicamente, acordar.

Mais uma vez, ela voltara para a minha mente, como uma onda gigante que chega sem aviso e arrasta tudo, envolve tudo, engole tudo.

- Por que já está acordada? - A voz de Helena cortou o silêncio.

- Não consigo mais dormir... - minha voz saiu tão fraca quanto eu me sentia.

- Simone? - Helena perguntou, provavelmente, apenas para confirmar algo a respeito do que ela tinha certeza.

"Simone...O que não tem a ver com Simone na minha vida atualmente?", pensei ironicamente.

- É...

- Vem aqui comigo, So. - Ouvi o barulho de sua mão batendo sobre o colchão.

Suspirei, sentindo-me repentinamente frágil e ao mesmo tempo percebendo que eu estava precisando de colo. Deitei de lado e de costas para a minha amiga que, prontamente, abraçou-me carinhosamente por trás.

- Por que você está assim?

- Eu não sei. Eu acho que... - pausei, sentindo-me incapaz de falar, como se o medo tivesse enfiado as unhas na minha língua e a estivesse puxando garganta abaixo.

- Acha que... - Helena perguntou, deixando no ar.

- Acho que estou apaixonada por ela.

- Você acha? - minha amiga destacou o verbo, dando um tom especialmente irônico a ele.

- Tudo bem, eu estou apaixonada por ela.

- E como você se sente sobre isso?

- Apaixonada. - respondi simplesmente.

- Ah, sério?

- Sério. - respondi, sentindo o meu humor melhorar. - Me sinto idiota, otária, obcecada, figurativamente de quatro por ela e não tenho muitas dúvidas de que ficaria de quatro não só figurativamente também.

- No sentido literal da coisa você não conseguiu ficar nem de dois, Soraya. - ela falou e eu dei um tapa em seu braço. - Ainda não superei o fato de você tê-la mandado parar.

- Na verdade, nem eu... - confessei, tendo um rápido flashback do meu momento com Simone.

- Nenhum ser humano será capaz de superar o fato de você ter mandado Simone Nassar parar.

Helena era o tipo de pessoa que enxergava a vida como cenas de filmes e, sendo protagonista ou não, estava sempre atenta a dizer o que queria dizer da melhor forma possível.

- Você poderia, por favor, parar de me lembrar disso? - Perguntei, mas quase implorei, virando o rosto contra o travesseiro.

- Enquanto eu viver, você será lembrada.

Bufei com o rosto esmagado contra o travesseiro e ela aproximou-se mais ainda do meu corpo, abraçando-me com um pouco mais de força.

- So, está tudo bem... - minha amiga falou com a voz impregnada de carinho. - A paixão faz a gente se perder, tudo fica confuso, nós ficamos mais sensíveis ao mundo e por isso tudo está afetando você dessa forma, é natural.

infinity | simorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora