Capítulo 11

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Adentramos novamente no mundo dos sonhos, e percebemos isso pelo ambiente enevoado e de sonoridade abafada. O próprio Stefan já parecia perceber com facilidade, e também parecia se sentir muito em casa por aqui, atravessando a clareira com certa agilidade, comportamento típico de quem já conhece o caminho a se seguir. As botas espalham a névoa que se depositava próxima do chão a cada passo que dava e, como se houvesse acabado de escalar uma montanha e se sentisse afetado pelo ar rarefeito, estava ofegante e quase em desespero assim que alcançou a típica clareira.

E assim que chegou já notou algumas diferenças. A primeira e mais óbvia era o estado do majestoso ipê branco, sempre iluminado por feixes de luz solar e com uma floração avançada. Hoje não havia tanta luz, o suficiente para que Stefan enxergasse a árvore apenas; e em vez de frondoso e com poucas flores ao chão, parecia que o tempo havia avançado, e a florada do ipê havia terminado, culminando num revestimento florido do chão e numa árvore próxima da nudez da estação.

Em segundo lugar, não via a imagem dos pais, não importava o quanto olhasse pelo lugar, sentindo falta de suas figuras costumeiras. Já tinha se habituado a encontrar conforto e aconselhamento no abraço terno da mãe, uma Imogen que mesmo tendo a tez mais pálida e iluminada, ainda parecia a mulher que Stefan se lembrava quando menino; uma mulher à qual, percebia, Genevive crescia para se tornar idêntica: os cabelos em ondas douradas e os olhos como jóias azuis, além dos traços delicados do rosto como o nariz e a boca.

Gideon, em contrapartida, começou a aparecer um tempo depois, e durante as primeiras vezes Stefan se sentia estranho, quem sabe assustado, mas também coberto de um remorso envergonhado. Sonhar com o pai assombrava o filho por algum tempo. O falecido duque tinha, por sua vez, a aparência que Stefan se lembrava, ou seja, cerca de sete anos mais jovem do que seria quando morreu, sendo algo contrário do que seria lógico. Porém não era de seu feitio questionar. Sua presença o deixava inseguro e confuso, porém ainda era reconfortante o suficiente para procurar por ela. Gideon também não estava lá hoje.

Varreu a clareira com os olhos, assim como rodeou a árvore em busca de seus anfitriões; parecia procurar outros sinais de que as mudanças não eram tão bruscas, o que falhou miseravelmente em fazer. A própria floresta ao redor parecia mais densa, um ambiente mais pesado e amedrontador. Nessa sua curta peregrinação, o som de um choro soluçado chamou sua atenção, fazendo com que se aproximasse.

E lá estava Imogen, era ela quem soluçava em pleno tom de descrença, ajoelhada no chão com as mãos cobrindo os olhos, amparada pelo marido, que mesmo aparentando igualmente abalado mantinha a rigidez da postura.

— Como? Mas... eu não... achei que... — balbuciava palavras sem muito sentido e frases desconexas.

— Não é culpa sua, querida, creio que deva ser um engano, ele não tomaria esse caminho.

— Você viu o que aconteceu, e o que apareceu aqui! Oh, quando eu achei que teríamos mais uma geração segura.

E retornou a chorar. Gideon ergueu a mulher do chão, e assim que ela se deixou levantar a abraçou ternamente. Stefan se aproximou e tentou chamar pelos pais, tentou tocá-los e atrair sua atenção de qualquer forma. Nada funcionava: sua voz parecia inaudível aos dois, assim como sua mão os atravessava completamente.

— Pai? Mãe? Eu estou aqui! Por favor, eu não fui embora!

De repente se transformou num menino, ele mesmo quando criança, agora no princípio do desespero percebendo que não era ouvido. Observou o casal se afastar daquele lugar ainda em união, e mesmo que tentasse acompanhá-los, o menino Stefan não seria notado.

Retornando até onde estava, pôde perceber que havia algo que Imogen e Gideon observavam antes de se afastar, e ficou ainda mais amedrontado quando percebeu ser uma lápide, literalmente, a placa de pedra marcada com um epitáfio confuso e sem tanta definição em parte de suas palavras; ainda assim uma outra parte parecia legível, e apenas isso já o deixou assustado:

ᖼ࿈࿓eӪ༻༜ Alast࿆࿂r

8⌇。 - 847

Ao julgar estar vendo a premonição da própria morte, sentiu novamente a respiração cortar e o coração acelerar; se antes estava à beira do desespero, agora esse era pleno. Afastou-se da lápide o mais rápido que conseguiu, como se assim pudesse impedir daquela previsão se concretizar. Olhando ao redor enquanto corria, podia perceber a luz, que já era escassa, diminuir ainda mais. A criança Alastair era engolida pela profunda escuridão correndo de seus próprios pesadelos.

***

Com um sonho tão perturbado Stefan acordou, naturalmente, apavorado, suado, e praticamente sufocado, além da própria expressão de profundo desalento. Observou primeiro o que podia de si mesmo, julgando até mesmo a possibilidade de ter voltado a ser criança, e depois os arredores, concluindo estar ainda nos aposentos em Bnoot, mesmo no escuro das cortinas ainda fechadas. O seu valete não havia chegado, tampouco o sol tinha nascido naquele momento.

Quando pareceu recobrar o controle do próprio fôlego ele se levantou, dirigindo-se à bacia de cerâmica para lavar o rosto, a água fria do dia anterior ajudando na tarefa de despertar mais rápido. O ato também o fez perceber que possuía as mãos trêmulas e dormentes.

Analisou a si mesmo novamente, desta vez num espelho, como se ainda acreditasse na sua metamorfose de volta à infância. Porém o que viu foram os sinais de uma noite mal dormida e atormentada enquanto sonhava. Olheiras abaixo dos olhos e uma expressão caída formavam sua constituição. A lembrança do pesadelo foi interrompida com a chegada do valete, pronto para ajudá-lo a se vestir enquanto o sol nascia.

E durante o futuro próximo ele se lembraria poucas vezes desse pesadelo específico, e quando o fizesse ele sempre iria mentalizar o aspecto mais assombroso: certamente a lápide que julgava com certeza ser a sua, e ainda o ano marcado nela. O medo de estar morto até o próximo ano viria à tona junto com a lembrança.

Mas por mais que temesse pela própria vida, sacudia a cabeça e lembrava que tinha trabalho a fazer, e ele começava com seu retorno a Mophet.

O Forte das CalêndulasOnde histórias criam vida. Descubra agora