Capítulo 3

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A capital de Astorya sempre foi Bnoot, desde que os primeiros astoryianos se chamavam wutons e chegaram às terras rochosas da Praia de Sal, fugidos de uma tribo inimiga, conhecida por seus massacres aos inimigos que coletava pelo sul. Os poucos sobreviventes se agarraram à crença das lendas antigas, que prometia ao sofrido povo wuton uma terra de progresso e fartura, a terra onde haveria paz e prosperidade, além dos montes nevados e com o mar por paisagem. Muitos morreram nessa peregrinação em busca da terra prometida, e muitos tinham a desistência em mente enquanto subiam as falésias da praia com o intuito de se jogarem para os braços do além-vida. Porém, o que encontraram lá em cima fervilhou de esperança aqueles homens.

No topo do rochedo via-se um paraíso para aqueles olhos cansados. Afastando-se do mar havia um bosque, que se estendia até onde os olhos podiam ver; árvores frutíferas, nascentes de rios e um enorme bosque com calêndulas amarelas enfeitavam o horizonte tão logo a rocha dava lugar à terra. Sentiram-se logo em casa, convictos de que tinham encontrado a terra prometida que por tanto tempo seu povo procurou. Batizaram aquela terra de Bnoot, 'Jardim de Calêndulas' na língua antiga, tendo em vista a quantidade elevada da flor naquela área, tornando-se também a flor símbolo daquele novo povo que se formava, que aos poucos se transformava na Astorya conhecida atualmente.

Lá possuíam comida, água fresca e proteção contra as noites frias, e também não demorou a precisarem defender bravamente sua amada terra. Tão logo fixaram residência sobressaiu-se um líder, que montou sua morada no topo da falésia, o primeiro forte com visão privilegiada do horizonte, que permitia uma defesa mais efetiva e mais rápida. E não foram poucas as tentativas de invasão que Bnoot sobreviveu, porém essas histórias podem ficar para mais tarde.

Naquele planalto se reverenciava o deus-fogo, Wuta, patrono daqueles antigos peregrinos que se sacrificaram em busca de uma terra próspera, e em nome dele que se faziam festas, rituais, oferendas e conquistas.

A praia e o bosque podiam ser desabitados, mas as terras para além do rochedo não eram. Sendo assim, ao mesmo tempo que defendia sua própria soberania, os primeiros líderes de Bnoot eram gananciosos o suficiente para reivindicar a posse das tribos vizinhas, dispostos a expandir sua terra prometida, espalhando a palavra e o espírito destrutivo de Wuta.

Um exemplo muito claro da conduta daquele povo foi com uma tribo de pescadores, pequena e em tímido crescimento, e que dominava a outra margem do rio Uris. Hafnar, o atual senhor de Bnoot conquistou a confiança dos nativos quando se apresentaram, apenas para ordenar que os massacrasse enquanto dormiam, ateando fogo à sua vila e observando-os queimar até a morte. Outros comandantes foram mais benevolentes e aceitaram a integração de outros povos ao seu território, como os Phileus que hoje constituem o ducado de Mophet, mas nem todos tiveram a mesma sorte. Astorya, como ficou conhecido aquele povo cruel e hostil, enriqueceu rapidamente, tornando-se relevante no cenário do continente como um país monárquico forte, não mais a pequena tribo que um dia já fora.

A terra prometida aos wutons, os filhos do fogo, provou-se uma profecia concreta. Agora capital portuária de um reino forte e poderoso, possuía a imponência de países mais antigos. Por mais caótica, amontoada e improvisada que possa parecer, ainda é uma capital histórica, orgulhosa de si mesma e de suas tradições.

Bnoot é o ponto inicial da Estrada do Peregrino, a principal que interliga todo o reino, e também por onde vem a comitiva de Stefan direto de Mophet. De certa forma, comparada às outras comitivas, e também levando em consideração o status do ducado, Stefan reuniu um número modesto de pessoas para o acompanhar. Além dele, Genevive e da Srta. Nunty, mais dois criados e um quinteto de cavaleiros da sua guarda compunham o grupo discreto vindo do leste, atendendo ao convite da monarquia.

A viagem seguiu-se majoritariamente em silêncio, isso quando Genevive não tentava iniciar alguma conversação sobre as paisagens que via. Era verdade que nunca havia saído de Mophet, Urial ou Mahren, e se empolgava ao mais ínfimo monte ou planalto que se insinuava no horizonte, à mais apagada das flores que provavelmente desabrochara havia pouco tempo. Mas tão logo começava a querer falar, rapidamente desistia, visualizando a fronte enevoada que o irmão possuía ao observar o exterior. Quando ultrapassaram os portais enfeitados da cidade, perceberam a agitação dos habitantes para a Feira, as preparações de quem iria vender seus produtos no castelo, quem ia permanecer na Cidade Baixa e quem organizava os festejos que comemoravam o fim dos dias frios e a volta do calor.

O Forte das CalêndulasOnde histórias criam vida. Descubra agora