Detlev desceu as costas pela parede suja do banheiro público enquanto sentia o mundo inteiro derreter em volta. A sensação familiar de relaxamento depois de se picar invadiu seu corpo, reprimindo os calafrios de antes e dando espaço para a viagem de sensações seguida de uma calma absoluta e assoladora, o prazer quase tão bom quanto um bom orgasmo. O barulho do seu celular velho vibrando se misturava com as gotas da torneira que vazava do lado de fora da cabine. Detlev se apoiou no vaso sanitário imundo e pegou o telefone, sentindo os dedos ainda dormentes pelos resquícios da abstinência. Ele era um Junkie*, e sabia disso. Ainda com a seringa enfiada na veia do braço esquerdo, ele usou a mão direita para desbloquear o telefone. 57 chamadas perdidas de um número restrito que ele sabia bem de quem era. Axel estava rondando a semanas, querendo o dinheiro da dívida cada vez maior que Detlev tinha e ele sinceramente não sabia mais o que fazer. Ele sabia que ele precisava ficar limpo se quisesse pagar o que devia, seus constantes episódios de cold turkey** estavam o fazendo torrar todo o dinheiro do trabalho em mais heroína ao invés de estar sendo destinado às contas.
Ele retirou a agulha do braço e a descartou no vaso. Cambaleando, se levantou e saiu da cabine do banheiro. Apoiou as mãos na pia e se olhou no espelho: estava destruído, a heroína o tinha transformado em um zumbi. Os olhos fundos e amarelados, o rosto magro e amarelo, os ossos do corpo tão evidentes quanto os de um anoréxico. Por todo o corpo manchas e bolhas vermelhas surgiam, dominando sua pele, os cabelos castanhos estavam desgrenhados e sem corte. Esse era o fim da linha, ele não tinha pra onde voltar, não tinha dinheiro, não tinha família. Ele morreria se continuasse daquele jeito, seja por Axel, que mandaria seus homens espancarem-no e ele não tinha condições físicas de sobreviver a uma surra, seja por uma overdose, visto que ele se picava cada vez mais, ainda por cima misturando com outras drogas.
Ele ia mudar. Precisava mudar.
Se rastejou para fora do banheiro público e deitou-se em uma das calçadas. Ele não poderia voltar para seu apartamento, não tinha pagado o aluguel, e só entrava no trabalho dali a cinco horas. Antes de fechar os olhos e apagar totalmente, seu último pensamento foi o de usar a próxima diária do Olimpo para comprar Valeron***, Valium*** e muito vinho. Ele se trancaria no quarto e só sairia de lá limpo e pronto para enfrentar o fundo do poço onde ele se encontrava.
*Junkie: nome dado a pessoas dependentes de heroína
**Cold Turkey: episódios de crise de abstinência que incluem suor frio, alucinações, febre, fraqueza, baixa pressão, etc...
***Valeron e Valium: Medicamentos calmantes usados para minimizar os sintomas físicos e emocionais causados no período em que um viciado tenta ficar limpo.
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Sex, Drugs, Etc.
RomanceDepois de uma infância e adolescência difícil e violenta, Detlev tem uma dívida centenária e um histórico criminal impossível de ser apagado. Trabalhando dia e noite no Olimpo, ele tenta incessantemente pagar o que deve e se manter limpo da heroína...