°•Let the birds fly•° ~flashback

188 29 113
                                    

Londres, 1946

O clima começava a esfriar conforme morria o outono e nasciam as pequenas ameaças do inverno.

Em uma rua quieta e comum, ficava a casa.

Era um prédio cinzento e triste, mas confortável. O quarto maior havia sido destinado para o repouso do doente, mas o espaço era quase vazio, exceto pela mesinha de cabeceira, a cama e um armário pequeno na parede oposta. As paredes eram pintadas de uma matiz de róseo, azul claro e lilás, para representar as lindas e apaixonantes noites brancas de São Petersburgo. Pássaros brancos e pretos voavam neste céu, feitos de tinta pura e pintura à mão.

A casa em si era um tanto bagunçada, com itens estranhos nos lugares equivocados, mas seus dois habitantes gostavam dela assim.

O parapeito da janela era decorado pelos delicados pássaros brancos que pousavam ali e ficavam a bicar os insetos minúsculos e a descansar de um voo muito longo.

Nikolai adorava eles. Admirava-os todos os dias.

Deitado naquela cama, a janela era sua grande companheira de todas as manhãs, tardes e noites. Por ela ele via, com seu olhar amável, o romper da aurora e a queda do sol. Como Londres ficava bonita naquela época do ano...

Seus cabelos alvos já soltavam-se da bela trança que costumava usar. Os olhos heterocromáticos eram feitos de um brilho especialmente peculiar, mas lindo. A doença fê-lo emagrecer mais do que deveria, mas Fyodor precisava sair para trabalhar durante o dia, então Nikolai ficava sozinho, sem ninguém para cuidar dele.

O que Fyodor não entendia era que não existia no mundo remédio algum que curasse o que havia dentro dele.

Nikolai tinha poucas forças, mas era suficiente para se erguer da cama em alguns momentos para buscar a comida que Fyodor deixava-lhe numa outra pequena mesa que havia ali de vez em quando.

Assim se passavam os dias. As semanas. Os meses.

Naquele entardecer, o horizonte já ficava rubro com o derramar do pôr-do-sol, e delicadas nuvens formavam auréolas brancas no céu. Nikolai ouviu uma batida na porta aberta do quarto, seguida de um risinho.

-Kolya, estou de volta!

Fyodor surgiu através da entrada e foi lentamente até o marido, sentando-se na beira da cama.

-Fedya... você demorou...

-Perdoe-me. Aconteceu um caso fantástico na galeria de arte hoje... uma mulher passou mal durante a exposição e precisamos levá-la ao hospital.

-Ela está bem? -Indagou Nikolai, segurando a mão de Fyodor junto à sua.

-Agora está. -Dostoyevski acariciou a mão de Nikolai com seus dedos pálidos, fazendo-o estremecer.

Fyodor e Nikolai se conheceram numa galeria de arte onde Fyodor trabalhava na época em que residia em território da Rússia. Nikolai era um jovem perdido e sem família da Ucrânia, e foi parado diante de uma das belas obras lá expostas que ele falou com Fyodor pela primeira vez. "A Morte de Marat".

"-É incrível, não acha?- dissera Fyodor- como uma pintura consegue retratar tanta emoção. É quase como se pudéssemos sentir o sofrimento do homem e suas lágrimas."

The Colours of Our Hearts ~•Soukoku Old AU•~♡Onde histórias criam vida. Descubra agora