°•The colours may come back•°

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Foi como se um manto macabro de choque mortal recaísse sobre cada centímetro do ambiente, instaurando neste um amargor de perturbação como nenhum outro.

A chuva retumbou com mais uma investida estrondosa, batendo água com tamanha força que fez estremecer o chalé inteiro.

Quando a agulha do revólver atingiu o mecanismo, liberando o projétil pequeno, porém letal, do tambor da arma, um silvo alto explodiu em sangue a artéria de Fyodor. Primeiro caiu a arma, escapando pelos dedos ensanguentados. Depois a cabeça do russo pendeu num ângulo certamente equivocado, e seu corpo tombou para trás, esbarrando na parede e se contorcendo assombrosamente até perecer por completo. O suicídio mais horrendo que se poderia presenciar.

Seus olhos violetas perderam a cor, vidrados para cima. Olhos que ainda buscavam Nikolai. Olhos que ainda buscavam a salvação. Olhos que estavam agora sem vida, igualmente ao corpo do que os possuía.

O cadáver do russo estava pálido e desolado, atirado naquele canto como um pedaço de lixo ou um móvel usado jogado para descarte. Nikolai teria ficado muito triste vendo aquilo. Mas acabara. Acabara. E de um jeito cruel.

Não obstante, cruel é o ser humano, que se corrompe por ter perdido uma parte de si mesmo. É natural. É hostil, impiedoso e melancólico, porém natural.

E foi como se alguém derrubasse o telefone no meio de uma ligação, deixando a linha muda. Tudo virou escuridão e silêncio. Consumara-se.

E para Fyodor, os quadros perderam a cor. Os pássaros tiveram as asas cortadas e morreram. Os anjos estavam suplicando pelo fim da dor. A beleza de tudo esvaíra-se. Para ele, tudo havia finalmente encontrado uma saída.

Seu último resquício de vida foi o sangue que escorria por sua garganta e pintava o chão. Dois cadáveres dentro do chalé. Mas dois rapazes vivos dividiam o mesmo espaço, e o simples fato de estarem vivos já significava muita coisa.

O horror arrefeceu e arrematou o ânimo dos dois restantes.

Fyodor fora crucificado por seu próprio eu. E o pecado amargo de Shirase foi o que matou a ele.

Dazai, encarando o falecido amigo com uma expressão de satisfação culpada, não queria demonstrar a amargura de anos acumulada, mas não conseguiu evitar de deixar pingar uma lágrima no assoalho escuro. De pé, em frente ao corpo desvivido, o moreno sentia uma imensa necessidade de explodir ali mesmo, de vomitar o turbilhão de coisas ruins que o reviravam por dentro como se fossem monstros se alimentando constantemente. Mas não era o momento. Ele não poderia parar, não ainda.

Chuuya, por mais que negasse isso silenciosamente até o instante da morte, precisava dele.

Explodir. O verbo involuntário causou um impacto de ansiedade repentina em Osamu. Fyodor tivera tempo de abrir o registro do gás, e a substância ainda sibilava, preenchendo, lenta e torturadora, o ar do interior do chalé. Eles precisavam sair dali, e rápido. Era a única alternativa.

Dazai correu até a cadeira onde Chuuya estava amarrado. O ruivo continuava meio grogue, atordoado pelos tapas na cara e uma dor de cabeça terrível com tanta informação. Sua visão borrada teve leves vislumbres do moreno passar para suas costas, e logo os nós ao redor de seus pulsos estavam desatados. Os pedaços da corda caíram no chão, batendo no assoalho meio úmido.

Chuuya sacudiu os pulsos dormentes diante do corpo, tentando visualizar as próprias mãos outra vez. O sangue voltou a circular normalmente pela região, e uma leveza percorreu seus braços como um todo. Nunca se sentira tão livre.

-Escuta, Chuuya, precisamos sair daqui...- Osamu começou, ajudando o outro a se erguer, mas o gás já arranhava as paredes de sua garganta. Tossiu diversas vezes, negando-se a morrer por uma intoxicação tão desprovida de emoção como aquela.

The Colours of Our Hearts ~•Soukoku Old AU•~♡Onde histórias criam vida. Descubra agora