Conseguir lidar com a ausência de alguém não era nada fácil. E esse sentimento piorava quando a pessoa amada já não se encontrava mais no nosso plano.
E Shion, mais do que ninguém, sabia o quão desesperador era aquela sensação. E haviam dias que ele se sentia tão deprimido que não conseguia pensar em outra coisa a não ser chorar ou procurar por um refúgio, procurar por alguém que já não estava mais lá. E naquela manhã não havia sido diferente de todas as outras que ele já presenciou.
O cheiro das torradas perfeitas de Nezumi e de seu café adocicado pairavam no ar, como um lembrete claro de que ele não estava em sua casa e não pertencia àquele lugar. Embora Nezumi e sua família houvessem o deixado ficar e o tratado bem, ele ainda sentia como se não devesse fazer parte de tudo aquilo. Ele mais do que nunca sentia que precisava urgentemente tomar um rumo em sua vidinha patética. Exausto, ele levantou da cama, escovou os seus dentes e desceu as escadas para se encontrar com Nezumi. Os pais dele pareciam nunca estarem em casa, e aquilo lhe permitia ficar mais confortável para aparecer com o cabelo bagunçado e um rosto marcado pelo colchão. Ele sabia que Nezumi o amava ver daquele jeito, mas naquele dia ele não estava ligando para o que Nezumi gostava ou não.
— Bom dia — o moreno falou enquanto colocava a última torrada na prato. Ele se virou para tirar o café da chaleira e passar pra garrafa. — Como você está, amor?
Shion não o respondeu. Ele deu a volta na mesa e abraçou Nezumi por trás, assim encostando a testa em suas costas e se permitindo ficar em silêncio por mais um momento. As mãos de Nezumi tocaram nas suas, e então ele as beijou carinhosamente e cuidadosamente se virou.
— Pode me levar pra casa hoje? — gentilmente ele pediu. — Eu quero resolver essas coisas logo.
— Mhm. Tome seu café da manhã primeiro para conversarmos sobre isso.
E ele não foi contra aquele pedido. Sua cabeça estava tão pesada e o seu corpo tão exausto que a melhor coisa que ele podia fazer naquele momento era deixar com que Nezumi cuidasse dele. Como estava fazendo nos últimos dias.
Nezumi começou a falar sobre alguma coisa que Shion nem se importou em prestar atenção. Ele apenas comeu em silêncio e tentou não parecer tão miserável assim. Tudo o que ele mais queria era voltar pra casa, tomar um bom banho, deitar em sua cama e ficar quietinho, olhando para o teto e deixando sua mente iludir-se com a ideia tola de uma felicidade distante, mas aquilo não aconteceria. Ele sabia que era pedir por muito. Shion tinha a sensação de que quando chegasse em casa, pensaria em fugir novamente. Ele sabia que Karan iria matá-lo, iria cortar o fio de sanidade que ligava ele a terra, e quando isso acontecesse ele poderia morrer em paz. Mas uma morte simbólica. Ele continuaria vivo, andando, comendo, existindo. Mas não seria mais ele. Ele seria apenas um corpo vazio de espírito e cheio de feridas invisíveis. Mas esse era o preço que ele teria que pagar por tentar ter autonomia e controle sobre a sua própria vida.
Ele lembra de já ter visto relatos na internet onde diziam que os filhos criados sobre expectativas esmagadoras acabavam decepcionando a todos por simplesmente tentarem ter autonomia, e que se desvencilhar de todo aquele perfeccionismo iria custar anos de terapia. Shion sentia-se assim. Preso em uma dança sincronizada, onde se errasse um passo seria massacrado pela audiência. E ele não podia errar, não tinha essa permissão, mas já estava cansado de dançar, de seguir o que lhe fora passado. Ele queria ser. Existir sem se preocupar em ser melhor que alguém ou ter medo de não ser ninguém.
Os dedos de Nezumi passaram por suas bochechas, e um beijo foi depositado em sua cabeça.
— Por que você está chorando, huh?
Shion deixou a torrada de lado e tocou com as costas de sua mão em suas bochechas, que estavam molhadas. Quando ele havia começado a chorar? E por que parecia que ele não conseguia passar um dia sem chorar?