Exórdio

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Fria. Imperturbável. Nada abalava Sarah Andrade. Para ela, a nevasca fora de época em Denver, naquela tarde, era mais um presente pitoresco do que uma inconveniência. O revés daquele dia, em relação à sua última aquisição, era outro desafio, não um motivo para queixa. Alcançar um objetivo envolvia esforços, Sarah disse a si mesma enquanto vestia o casaco, agradecia à concierge e apanhava a bolsa. Ela precisava ser apenas mais... inventiva. Essa era a palavra.

No entanto, sua paciência sempre era posta à prova quando se tratava da imprensa. A reportagem tosca do mês anterior fora no mínimo risível, levando a crer que ela não passava de um demônio que deixava famílias carentes sem teto a fim de expandir seu império do mal. E o que não dizer daquele outro artigo recente, questionando o modo como ela lidara com uma atriz ambiciosa com quem vinha se encontrando? Sem exceção, ela tratava as mulheres com respeito, mas, desde o princípio, ela e Ayla haviam concordado em manter um relacionamento "divertido e casual", e não um do tipo "se eu não vir um anel de diamante, vou expor seus segredos de alcova."

Como se chantagem pudesse funcionar com ela!... Ao contrário de seu pai e irmãos, ela não dava a mínima para o que as pessoas pensavam. Naquele fim de tarde de primavera, contudo, conforme ela se afastava da entrada do hotel, escancarava a porta de trás do táxi e se fechava no interior aquecido, a calma de Sarah se foi, e ela deu um pulo no assento. Levou um momento para se recompor e estudar sua inesperada companhia antes de se inclinar para a frente e tocar o ombro do motorista.

— Seu último passageiro esqueceu uma coisa...

O taxista torceu o tronco.

— A carteira?

— Não — murmurou Sarah. — Um bebê.

A outra porta traseira se abriu nesse instante. Uma lufada de ar gelado invadiu o carro, com uma mulher vestindo um casaco vermelho-cereja com capuz. Ela colocou uma frasqueira combinando no colo e tratou de bater a porta contra os ventos uivantes. Assoprou ar quente nas mãos em concha e, só então, sua atenção se voltou para ela. Sob a capa vermelha, olhos curiosos, cor cafeína, deslizaram da cadeirinha infantil para Sarah, depois de volta para o bebê.

Ela estudou o rosto perfeito, os olhos incomuns, e sentiu o peito se aquecer. Não conhecia a moça, porém algo em seu olhar cintilante a fez se perguntar se ela já a havia visto.

Ou talvez assim ela desejasse.

— Eu estava com tanta pressa que não vi você entrar — justificou ela, já pondo a mão na alça da frasqueira. — Na verdade, não conseguia ver muita coisa... Que loucura, não? Essa nevasca, quero dizer.

Um sorriso lento curvou um lado da boca de Sarah conforme ela a observava.

— Uma loucura mesmo.

— Faz séculos que a concierge chamou um táxi para mim. Por isso decidi vir até a calçada para ver se eu conseguia algum.

O sorriso de Sarah desapareceu. Ela tinha roubado o transporte dela?... Quando checara na recepção, poucos minutos antes, eles também lhe haviam chamado um táxi. Ao deixar o saguão do hotel, ela imaginara ser aquele o seu.

Inclinou-se mais uma vez e falou com o motorista. Preferia enfrentar aquele problema ao outro, do bebê esquecido.

— Está atendendo a alguma chamada?

— Acabei de deixar outro passageiro no aeroporto. — O homem por detrás do volante puxou mais a boina marrom sobre a testa antes de mexer no contador. — Pensei em passar por aqui e tentar a sorte... Ninguém sai nesse frio, a menos que precise muito.

— O aeroporto! — Chapeuzinho Vermelho também se inclinou para a frente. — É para lá que estou indo. Preciso voltar a Nova York para uma entrevista, amanhã bem cedo. Sou repórter da Story Magazine. — Sua expressão radiante dizia: "Já ouviram falar, não ouviram?"

Mães Por Um Tempo  》Sariette || ADPOnde histórias criam vida. Descubra agora