Capítulo XXVI - Reminiscências de um passado distante (parte II)

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Nesse ínterim, algumas pessoas tentaram alertar ao senhor Alfredo a respeito do problema que se apresentava a ele. Entre elas seus cunhados de Córdoba Ernesto e Valéria. Certo dia, passados já três anos desde que se tornou viúvo, Alfredo foi a Córdoba junto com Sharon e Lili[1].

Naquela ocasião, os pais das irmãs Rodríguez resolveram chamar o senhor Alfredo para uma conversa em particular depois que Desirée lhes contou que Sharon desabafou a ela e às irmãs que o senhor Bilder constantemente vive fazendo certas comparações entre as filhas que incomodam muito a Sharon, de tal maneira que ela se sente como se fosse tratada como uma pária dentro de casa. Como também contou que o senhor Bilder dispensava o mesmo tratamento duplo aos cachorros da casa. As irmãs Rodríguez (as quais para Sharon e Lili eram como se fossem irmãs mais velhas com as quais elas podiam contar sempre que preciso, a despeito da distância entre elas) sentiram que se tratava de algo que vinha das entranhas de Sharon e na hora tiveram que consolá-la.

NA COZINHA DA CASA – UMA CONVERSA ENTRE PAIS

Ernesto: "Alfredo, precisamos ter uma conversa séria contigo".

Valéria: "A Desirée nos contou que você vive fazendo comparações entre a Lili e a Sharon periodicamente, nas quais a coloca a Lili lá em cima e a Sharon lá embaixo. E que a Sharon se sente muito incomodada com isso".

Ernesto: "Sei que você não faz isso por mal, mas não acha que está na hora de parar com essas comparações? A Sharon nos contou que não gosta nem um pouco delas".

Alfredo: "Olha, eu posso fazer essas comparações entre as minhas filhas de vez em quando, mas saibam de uma coisa: eu as amo igualmente e as crio com todo o amor e carinho do mundo. E isso é o que é importante".

Ernesto: "Alfredo, o que queremos lhe dizer é o seguinte: você tem uma bomba em mãos, e essa bomba já está acesa. E é uma questão ela explodir na tua mão. Se não quiser que ela exploda na tua mão, precisa encontrar um jeito de desarmá-la. Do contrário, quando a bomba explodir, pode ter certeza que os pedaços voarão na tua cara".

Alfredo: "Ora senhor Ernesto, não tenho nenhuma bomba na minha mão. Sei muito bem o que faço e tenho certeza que e tenho certeza que nada de ruim irá acontecer comigo e as minhas filhas".

Valéria: "Alfredo, você precisa parar de fazer tais comparações, se não a Sharon vai crescer alimentando um forte ressentimento para contigo. Pare com isso antes que seja tarde demais. É isso que queremos dizer para você, com todo o respeito".

Ernesto: "Alfredo, ainda há tempo de consertar a situação. Comece a dar a devida atenção que a Sharon merece, antes que o pior aconteça".

Entretanto, o senhor Bilder sempre fazia objeções aos argumentos dos cunhados, sob a alegação de que dava toda a atenção do mundo às filhas e fazia o melhor que estava ao alcance dele para cria-las, que estava sujeito a erros e chegou a dizer que a Desirée, a filha caçula do casal Rodríguez, mentiu a eles. No fim, a conversa entre pais não chegou a lugar algum, com a senhora Rodríguez lhe dizendo as seguintes palavras proféticas: "Bom senhor Alfredo, depois não diga que nós não lhe avisamos". E o resto é história.

FIM DA CONVERSA ENTRE PAIS

Após essa conversa a relação entre o casal Rodríguez e o senhor Bilder nunca mais foi a mesma. E mais do que isso: ele passou a culpar uma suposta influência nefasta das primas distantes de Sharon como a responsável pelas desavenças que existem entre Sharon e Lili, sem se dar conta de seus próprios erros. Sempre que Sharon era vista conversando no telefone com as primas de Córdoba, o senhor Alfredo tratava de pedir para desligar o telefone imediatamente e a submetia a altas reprimendas. Mas ele não fazia o mesmo com Lili quando era ela quem ligava e conversava com as mesmas primas de Córdoba. E nem as considerava más influências para Lili, só para Sharon. Sharon tentou tirar satisfações com o pai sobre isso, mas a conversa não chegou a lugar algum. Esse foi mais um dos episódios que jogaram ainda mais lenha na fogueira do ódio e do ressentimento de Sharon para com o pai e a irmã.

Mas o episódio que mais jogou lenha na fogueira da antipatia de Sharon para com o pai e a irmã antes de Bernie surgir na vida deles foi a doença e posterior falecimento de Faisal. Faisal já era um cão idoso de 11 anos de idade, e descobriu-se que ela tinha uma doença séria nos rins: nefrite. E sabem o que o senhor Bilder fez à época? Continuou tratando Faisal como se ele não existisse ao mesmo tempo em que premiava Harun com toda a atenção do mundo. No que fez Sharon ter de cuidar de Faisal praticamente que sozinha, com algumas ajudas de Lili. Sharon chegou ao ponto de ter que cuidar de Faisal em seções de hemodiálise, enquanto que Alfredo comumente passava longos dias fora de casa (e até mesmo fora da Argentina) à procura da Rosa das Marés.

No fim, o pobre Faisal faleceu por conta do problema renal que o acometia já faz certo tempo na medida em que este foi se agravando. E detalhe: quando o pobre Faisal se foi, o senhor Alfredo estava em Punta del Este, em mais uma de suas viagens em busca da Rosa das Marés.

Quando Faisal se foi, Sharon teve uma sensação mista. Por um lado, ficou muito triste com a partida do cachorro que ela tanto amava e que ela cuidou com tanto esmero. Diga-se de passagem, foi a partir do momento em que começou a cuidar de Faisal que Sharon foi se tornando uma pessoa cada vez mais responsável e dedicada no que faz. E cumpriu as responsabilidades que o cuidado de um cão de médio porte como ele com grande êxito. Desde então ela passou a primar por tais qualidades que ela mesma já manifestava na escola. Pode-se dizer que desde essa época a semente do perfeccionismo de Sharon foi plantada e começou a germinar. O perfeccionismo que anos mais tarde ela depois quis passar para Âmbar.

E, por outro lado, Sharon ficou tão magoada, mas tão magoada e ressentida com o pai e a irmã, que a antipatia dela em relação aos dois literalmente disparou. E que depois disso os sentimentos de bondade que ela tinha antes foram pouco a pouco sendo soterrados em suas profundezas. E na medida em que o tempo passou ela foi ficando cada vez mais amarga e mais rancorosa.

Sharon (com raiva exalando na voz, olhando para si mesma em um espelho): "O meu pai, como pode, o meu pai... eu tendo que cuidar sozinha do cachorro, tendo que leva-lo a sessões de hemodiálise, passando longas horas no veterinário, enquanto isso o maldito mal fica em casa, a procura da tal da Rosa das Marés até mesmo fora do país! Como se nada disso tudo estivesse acontecendo! E ainda por cima quando está em casa dá toda a atenção do mundo à Lili, me trata como eu fosse uma estranha no ninho! Como pode ele ser tão irresponsável assim?! Como pode?! Ele como um pai é um zero à esquerda! Mas um dia ele e a minha irmã irão ver! Eles não pedem por esperar!".

Nota Final

[1] Ver capítulo 51 de "A irmã perdida", disponível nessa plataforma.

Sou Sharon: a vida é um pesadelo (Sou Luna 5)Onde histórias criam vida. Descubra agora