Capítulo LXII - Duas crianças, uma carta e um incêndio (parte I)

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CONTINUAÇÃO DO FLASHBACK

Com o tempo as palavras do sorveteiro André revelaram-se verdadeiras: Lili, após ser acometida por enjoos e vômitos e notar que a barriga dela cresceu de uns tempos para cá, descobriu que estava grávida antes mesmo de ir embora da Cidade Luz. Pouco antes de irem embora de Paris, Lili e Bernie assistiram a uma apresentação de patinação, e entre os presentes estava o francês Philippe Candeloro. Este deu um autógrafo ao jovem casal.

Enquanto Lili e Bernie passavam sua lua de mel em Paris, assistiram a jogos da competição máxima do futebol mundial e visitaram locais como a Pont des Arts, o Museu do Louvre, o Arco do Triunfo, a Torre Eiffel, a catedral Notre Dame de Paris, a catedral Notre Dame de Reims (onde os reis franceses eram coroados) e outros passeios turísticos na Cidade do Amor, Sharon cuidou não só da mansão, como também dos negócios da empresa de Bernie na ausência dele.

Sharon, a despeito de amar Bernie (a ponto de ter feito a ele a capa do livro), não se opôs abertamente ao relacionamento da irmã com o grande amor de sua vida, visto que ela, antes de tudo, não quer se indispor nem com Bernie e nem com a irmã. Ela não aceita, apenas tolera o relacionamento dos dois (que fique bem claro: aceitação é uma coisa, tolerância é outra).

Enquanto Lili e Bernie estavam ausentes de Buenos Aires, não foram poucas as vezes em que Sharon ficou pensando, em seus devaneios, que isso que ela estava vivendo era um grande pesadelo. Ela, que durante muito tempo sonhou com uma vida a dois com Bernie, os dois namorarem, se casarem, construírem uma casa, terem filhos, viverem juntos durante muitos e muitos anos com apenas a morte os separando.

E para piorar ainda mais coisas, Lili e Bernie passaram a lua de mel em Paris. A mesma Paris na qual Sharon durante muito tempo estudou e para a qual ela foi logo após conhecer Bernie. A mesma Paris na qual Sharon viveu aqueles que para ela foram seus anos mais felizes de sua vida e na qual ela conheceu grandes amigos. E a mesma Paris na qual ela sonhava em passar a lua de mel caso se casasse com o seu amado. Era como se a própria irmã dela, que só para começo de conversa nunca estudou em Paris e nunca desenvolveu fluência no inglês e no francês, estivesse invadindo o território sagrado dela. Maior humilhação que isso talvez não possa existir.

É como se a história da personagem que Sharon viveu no filme "Solidão", Brigitte Dupont, tivesse se tornado realidade. Com a diferença que a personagem que ela viveu em "Solidão" pelo menos foi despejada da casa em que morava. Como se a própria Sharon tivesse visto em "Solidão" uma visão do futuro dela. É como falam por ai: a vida imita a arte.

A sensação que Sharon tem em seu âmago é de impotência, e de que mais uma vez a vida lhe aplicou uma punhalada pelas costas. Uma vez sombra, sombra para sempre. Será esse o destino de Sharon até seus dias derradeiros? E até quando ela terá de suportar tal situação? Haverá alguma luz no fim do túnel?

Como forma de contornar a situação, nos dias da lua de mel de Lili e Bernie Sharon trabalhou como nunca. Dedicou-se como nunca aos negócios da empresa de Bernie, cuidou da mansão com esmero, e até recebeu clientes de Bernie.

Em um desses dias, ela sonhou que se encontrou com a irmã em uma área próxima a um rochedo. Armada com um punhal, ela aborda Lili para um acerto de contas.

SONHO

Em uma área próxima a um rochedo, Sharon se encontra com Lili. Sharon está armada com um punhal. Com sangue nos olhos, Sharon está determinada a acertar as contas com a irmã.

Sharon: "Olá, irmãzinha, há quanto tempo que não nos vemos?".

Lili: "Sharon, mas que surpresa. Não te esperava te encontrar aqui".

Sharon: "Eu digo o mesmo".

Lili logo nota que o olhar de Sharon exala sangue, e que ela tem intenções nada boas para com ela. Sharon aponta o a lâmina do punhal na direção de Lili.

Lili (assustada): "Sharon, não me diga que você...".

Sharon: "Sim, Lili. É isso mesmo que você está pensando, ladra de maridos. O Bernie é meu e de ninguém mais".

Lili: "O Bernie é o meu marido, e não teu! Não me diga que você...".

Sharon: "É muito mais que isso. Você tem roubado tudo de mim, Lili. Desde que éramos crianças todos diziam que você tinha um brilho especial, enquanto que eu era tratada como a tua sombra. Tudo era para você e eu ficava apenas com as migalhas. E tenho aguentado tudo calada. Até agora. Isso acaba aqui e agora, Lili!".

Lili: "Sharon, por favor, não faça isso! Somos irmãs!".

Sharon: "Você pelo visto acha que eu tenho que aguentar as pessoas pisando em mim calada, sem esboçar qualquer reação".

Lili: "Sharon, somos irmãs! Pelo amor de Deus, não faça isso!".

Sharon: "Tarde demais para isso, maldita. Morra!".

Sharon ataca a irmã, que por sua vez não pode fazer nada, nem mesmo correr. Ela é apunhalada e esfaqueada sem dó nem piedade. Muito sangue escorre do corpo de Lili, até que de repente o sangue vira fogo. O cenário logo é engolido por densas chamas, que em questão de segundos cobrem toda a vista das irmãs. Logo, elas são engolidas pelo fogo e reduzidas a cinzas. E assim termina o sonho de Sharon.

FIM DO SONHO

Sharon acorda depois de ter tido um pesadelo horrendo, em que após esfaquear a irmã é engolida por densas e ardentes chamas, e estas reduzem ela e a irmã a cinzas. Por alguns minutos ela fica pensando no sonho e o significado daquilo. Mas logo ela se esquece de tudo. Chega à conclusão de que não passava de uma grande bizarrice.

No tempo livre, ela chegou a receber visitas de alguns parentes distantes. E uma dessas visitas é a dos tios Ernesto e Valéria. Os mesmos tios Ernesto e Valéria que muitos anos antes tentaram alertar ao senhor Alfredo sobre a maneira desigual como que ele vinha tratando as filhas, mas em vão.

Para os tios Ernesto e Valéria, Sharon se queixou do fato de que o pai dela nunca deu ouvidos ao aviso deles [1]. Continuou a trata-la como a pária da família, como se fosse a sombra de Lili. E não obstante continuou a passar longos períodos fora de Buenos Aires, longe da família e de todos. E que mesmo depois que Lili e Bernie se casaram essa situação continuou. "Até quando que isso irá continuar? Eu sinto como se tivesse sido abandonada no conforto da própria casa, não em uma favela ou no meio de um bosque! Será essa a minha sina?", pergunta-se Sharon aos tios.

Valéria responde as indagações da sobrinha com as seguintes palavras: "Sharon, eu entendo a tua dor. E não se desespere, pode ter certeza que mais dia ou menos dia a tua vida terá a virada que você tanto espera". Ao fim da visita, Valéria e Ernesto convidam Sharon a qualquer hora irem visita-la em Córdoba. Sharon promete que irá visita-los assim que tiver um tempo livre.

Também recebeu a visita de uma das primas de Córdoba, Maria Luisa, acompanhada de seu marido Miguel Angel. Assim como Lili, as três primas de Sharon de Córdoba casaram-se, ao contrário de Sharon. E confessa a eles a angústia que vem sentindo. "Sabe Maria Luisa, Miguel, não entendo, como que a Lili vem me tirando tudo desde que eu era pequena. Não sei mais o que faço...", diz uma angustiada Sharon aos visitantes. Como ela pode estar nessa situação, tendo sido privada do homem de sua vida, ao mesmo tempo em que não apenas sua irmã se casou como também as primas dela de Córdoba? Sorte delas, que não apenas tiveram pais mais presentes na vida delas, que as tratavam de forma mais ou menos igualitária, sem ficar puxando a sardinha de uma ou de outra, como também são bem mais unidas que Sharon e Lili. Um verdadeiro retrato do que teria sido de Sharon e Lili caso tivessem tido pais que os tratassem de forma mais igualitária.

Assim como Ernesto e Valéria, Maria Luisa e Miguel Angel também convidam Sharon a passar uns dias em Córdoba. Segundo Miguel Angel, é disso que Sharon está precisando para espairecer a mente e respirar novos ares. No fim das contas, os parentes distantes de Sharon que moram em cidades como Córdoba pouco ou nada podem fazer para ajuda-la, visto que eles têm sua vida no interior da Argentina, seus próprios problemas, e dessa forma não podem ficar se envolvendo muito nos problemas dos parentes distantes deles.

CONTINUA...

Nota Final

[1] Ver o capítulo 51 de "A irmã perdida" e o capítulo 26 dessa mesma história, disponíveis nessa plataforma.

Sou Sharon: a vida é um pesadelo (Sou Luna 5)Onde histórias criam vida. Descubra agora