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Nem bem tinha fechado a porta atrás de mim e já sentia vontade de voltar e dizer que estava mentindo. Que ainda a amava, apesar de tudo. Mas eu tinha sido honesta ao dizer que seria incapaz de pedir que ela largasse a sua vida para vir morar comigo. Talvez até pudesse dizer que iria com ela para onde ela quisesse, mas uma vez já arrisquei deixar minha cidade e tentei construir minha vida com minha ex esposa em outra cidade, e não dera certo. Eu podia me enganar ao pensar que dessa vez seria diferente, mas não tinha certeza.

Então, sem saber o que fazer, apenas fiquei ali do lado de fora da cozinha, sentada no chão, encostada à porta fechada, ouvindo os soluços de Clara .

Não sei quanto tempo fiquei ali, mas quando finalmente levantei, sentindo meus músculos protestando por ficar tempo demais na mesma posição, nenhum som se fazia ouvir no cômodo ao lado, Olhei rapidamente para o relógio de pulso, vendo que já passava das cinco da manhã, e em breve eu estaria saindo para ir trabalhar, embora minha disposição para isso fosse zero.

Preocupada com o silêncio dentro da cozinha, abri a porta lentamente, espiando o seu interior antes de entrar por completo. Clara  estava sentada na mesma cadeira em que a deixei há mais de uma hora, seu rosto agora repousado no seus braços cruzados em cima da mesa. Ao me aproximar mais, percebi que ela dormia tranquilamente, apesar da mancha molhada na manga do cardigă deixar claro que ela estivera chorando quando parara naquela posição.

Sem mal pensar no que fazia, me abaixei um pouco ao seu lado, passando uma mão por baixo dos seus joelhos e a outra ao redor da sua cintura, erguendo-a nos braços com facilidade. No seu sono frágil, Clara  acordou, de início parecendo

Assustada, mas logo relaxou quando me viu, se

Aconchegando nos meus braços como se ali fosse

O lugar mais confortável que ela poderia estar. E

Sem qualquer palavra, tanto minha quanto dela,

A levei até o quarto que Sol costumava usar, no

Andar de baixo, sabendo que Clara  não tinha

Subido as escadas em momento algum para se

Acomodar em um dos quartos de hóspedes.

O quarto não era tão grande quando os demais da casa, mas Sol tinha feito um excelente trabalho deixando-o bonito e confortável depois que lhe dera carta branca para decorar como quisesse.

Lentamente depositei o corpo frágil na cama bagunçada, puxando a colcha grossa para cobrir suas pernas que tinham ficado completamente de fora, quase deixando sua calcinha à vista. Mas antes que eu pudesse me afastar, uma mão gelada me deteve.

Me voltel para perguntar o que ela queria, mas me vi incapaz de falar qualquer coisa quando senti seu polegar descrevendo círculos na minha mão, seus olhos cravados no meu rosto, me encarando com tanta intensidade que me tirou a linha de pensamento. Por muito pouco não sentei naquela cama apenas para ficar mais perto dela, querendo remover aquela única mecha que caía no seu rosto, se perdendo na curva do seu pescoço delicado.

Foi com muito esforço que desvencilhei nossas mãos, recuando um passo antes de sucumbir à tentação.

- Precisa de algo? – perguntei por fim no tom mais neutro que consegui empregar à minha voz, rezando para que ela não respondesse “você”, porque se isso escapasse da sua boca, eu sabia que estaria perdida.

- Eu só... queria te olhar pela última vez.

E ainda assim, de alguma forma aquelas palavras ditas num sussurro fraco conseguiu que eu poderia esperar. Ser pior do

A constatação de que aquela seria a última vez que veria aquela doce garota quase me fez ruir em desespero, como se uma parte de mim tivesse sido arrancada, Antes, quando nos separamos depois daquela fatídica tarde de sábado quando Théo aparecera, eu estava com tanta raiva que só queria distância dela. E mesmo quando a raiva diminuíra e a saudade começara a se fazer presente, ainda havia a mágoa que continuava querendo-a longe, Só agora percebia o quanto meu orgulho tinha camuflado o a falta que sentia dela, Mas eu sabía que deveria me afastar. Deixar que algo acontecesse entre nós novamente seria a maior besteira que eu poderia fazer, mesmo querendo mais que tudo ao menos abraçá-la. E foi por isso que lhe dei as costas naquele momento, sem falar uma palavra sequer, fechando a porta atrás de mim. Eu precisava daquela distância para pensar com clareza. Precisava ir embora e deixar Clara  ir.

XXX

Já passava das duas da tarde quando meu nome foi anunciado no autofalante do hospital, avisando que tinha uma ligação na linha três. Me dirigi à recepção mais próxima e peguei o telefone, me surpreendendo ao ouvir a voz de Clara .

- Helena , eu sei que você não quer falar comigo, mas não é por mim que estou ligando, ok? – ela avisou, falando rápido com a voz levemente nervosa.

- Aconteceu alguma coisa? – perguntei, levando uma mão aos cabelos, me chutando mentalmente por sentir meu coração dando um pulo só de ouvir aquela voz.

- As estradas ainda estão interditadas e eu preciso ir para Port Angeles agora! Por favor, me diz que você conhece alguém que tenha uma escavadeira ou algo assim.

- A prefeitura faz isso, Clara . Eu conheço o pessoal de lá, mas eles já devem estar trabalhando nisso, E você não precisa sair correndo. Não é como se eu fosse te expulsar da minha casa. Se precisar, por ficar mais tempo até—Já falei que não é por minha causa, Helena . Sol me ligou agora chorando e eu preciso ir para lá – ela me cortou, falando ainda mais rápido.

- O que aconteceu? Por que Sol estava chorando?

- Não é da sua conta – Clara  respondeu num tom duro e um silêncio se instalou entre nós, que durou até que a ouvi suspirando. – Desculpe. Sei que você também se preocupa com ela, mas é que... Bem, é que ela discutiu com a mãe de novo por causa de Lumiar  – ela respondeu por fim, falando mais calma agora. – E parece que foi bem sério. Lumiar  estava lá. Foi visitar Sol e Andrea começou a soltar indiretas, pelo que entendi. E parece que quando Sol reclamou e pediu para ela parar, a mãe dela ficou mais direta e expulsou Lumiar  da casa. Eu não entendi bem o que aconteceu depois disso, porque foi meio difícil entender o que Normani falava, mas no fim Lumiar  foi embora depois de Andrea ameaçar se mudar da cidade se ela não se afastasse. E Sol , é claro, está desesperada porque não pode sair da cama e a mãe a trancou no quarto. – Mais um silêncio se seguiu às suas palavras, e mais uma vez foi ela a interrompê-lo. – Eu preciso ir para lá, Helena , Ela precisa de mim.

- Eu vou fazer algumas ligações – prometi, ouvindo um rápido “obrigada” antes de desligar.

Optei por tirar meu horário de almoço agora, já que ainda não tinha comido nada, e passei na lanchonete do hospital, comprando um lanche apenas antes me recolher ao meu escritório.

As pessoas que poderiam me ajudar naquele momento. Infeliz  mente, nenhuma daquelas ligações foram úteis.

A equipe da prefeitura estava ocupada em limpar as ruas dentro da cidade, dando prioridade às avenidas que davam acesso à delegacia e hospital, pedindo aos moradores para evitar sair de casa de fosse possível. E as duas únicas escavadeiras da única empresa terceirizada que havia na cidade estava com todo o equipamento alugado para a própria prefeitura, depois que as outras escavadeiras pararam de funcionar há dois dias.

Cheguei a pensar em ligar para uma pessoa que conhecia em Port Angeles e que talvez pudesse me ajudar com isso, quando uma ideia me ocorreu. Talvez fosse loucura da minha parte me meter nesse assunto e ligar para Andrea, mas aquilo estava me incomodando demais para que conseguisse ficar em silêncio.

Assim, sem pensar duas vezes, peguei o telefone

Novamente, e liguei para a casa da minha antiga

Governanta, torcendo para que ela não me mandasse parar de me meter no que não me dizia respeito,

-Andrea, sou eu, Helena  – me identifiquei depois que ela atendeu ao terceiro toque,

-Ah, olá, Dra. Helena , Como vai? Espero que

Clara  não esteja lhe causando nenhum problema,

-Está tudo bem – falei apenas, resolvendo não pensar demais naquele seu comentário. – Na verdade, eu estou ligando por causa de Sol .

- Ela está bem, não se preocupe. Está se recuperando muito bem.

- Eu imagino que sim, mas não foi por causa da saúde dela que liguei. – Respirei fundo antes de continuar, agradecendo por Andrea não ter falado nada durante o meu curto silêncio. – Clara  me ligou agora e contou o que aconteceu. Sobre Sol e Lumiar , eu digo. E eu espero não estar indo longe demais em me envolver nesse assunto, mas...

- Sem cerimônias, Dra. Helena . Você é quase da família. Praticamente viu Sol crescer. Tem todo direito de falar o que quiser. Eu só não sabia que você estava ciente desse namoro absurdo.

Ali estava o ponto que eu precisava abordar.

- Normani me contou do namoro há cerca de um ano. E, honestamente, Andrea, não sei porque você acha isso tão absurdo.

Mas antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, ela me interrompeu.

- Como não? Essa mulher é dez anos mais velha que ela, dona de um bar, e fica andando para cima e para baixo naquela moto. Na moto que fez minha filha quebrar uma pernal – ela completou quase gritando, Eu sempre fui contra esse relacionamento, Onde já se viu uma mulher daquela idade querer namorar a minha filha? Elas começaram a se encontrar quando ela só tinha dezesseis anos, sabia? Onde já se viu uma coisa dessas? É claro que eu nunca aprovei.

Pessoas dessa idade só querem uma coisa e minha filha não é mulher para servir de diversão para ninguém.

- Você já chegou a pensar que elas se amam de verdade?

- Ora, é provável que elas se amem, ou pensem que é isso que sentem, mas se aquela depravada está pensando que eu vou deixar minha filha se envolver mais com ela, está muito enganada. Não quero Sol saindo com ela. Nunca quis isso e acho que agora finalmente consegui o que queria.

- E o que você queria, Andrea? Ver sua filha infeliz  ? – perguntei, me sentindo mais irritada do que deveria, mas tentei manter minha voz calma. – Eu conheci Lumiar  e já as vi juntas. E pode ter certeza de que nunca vi Sol mais feliz  do que quando ela está com Lumiar . Eu sei que é difícil para você aceitar esse relacionamento, mas você tem que pensar que-

- Você está mesmo falando sério? Você aprova esse namoro, Dra. Helena ? – ela perguntou, me interrompendo com a voz surpresa.

- E por que não aprovaria?

- Você ouviu a parte em que eu falei que Lumiar  tem dez anos a mais do que minha filha?

Aquela pergunta, apesar de não me acusar de forma alguma, fez com que eu me sentisse levemente culpada. Andrea estava chocada com a diferença de idade entre Lumiar  e Sol . O que ela diria se soubesse do meu envolvimento com Clara ?

- Eu ouvi, mas continuo não vendo nada de

Errado nisso. Ao menos não mais. – E se você analisar bem, vai ver que não há mesmo nada de errado – falei num tom firme. – Eu vi a forma como Lumiar  se comporta perto de Sol , ou como ela fala nela. Como se o mundo dela girasse em torno apenas de Sol . Ela pode ser mais velha sim, mas é independente, responsável, uma mulher de negócios, como você acabou de dizer. Você preferia que ela estivesse saindo com uma pessoa que não quer nada com a vida, que mora na casa dos pais e não pensa em outra coisa a não ser contar vantagem? – perguntei, mas não lhe dei tempo de responder. – E Sol é madura o suficiente para saber escolher quem é melhor para ela. Elas se amam, Andrea. É apenas isso que você deve levar em consideração. Você me deu permissão para falar o que quiser, então aqui vai um conselho: esqueça os preconceitos, esqueça as diferenças que há entre elas, e saia do caminho. Deixe as duas ditarem o próprio futuro, ou você será a única prejudicada nisso tudo. Sol já fugiu uma vez para ficar com a namorada e ela pode até não fazer isso de novo, mas se você forçar o fim do relacionamento, vai acabar perdendo o respeito da sua própria filha, apenas por não respeitar as vontades dela. Pode até ser que esse namoro não dê certo e que tudo acabe um dia, mas isso depende apenas das duas,

-E se algo acontecer? E se ela magoar Sol ?

- Isso será problema apenas dela. Se acabar, esteja lá para consolar sua filha, mas deixe-a tomar as próprias decisões – aconselhei com a voz mais calma agora. – Deixe-as ser feliz  es, Andrea. Pode até não durar para sempre, mas elas merecem ser feliz  es.

Ela ainda tentou argumentar, mas eram argumentos fracos e sem fundamento, que logo foram vencidos com mais duas ou três palavras. No fim, ela aceitou ligar para Lumiar  e pedir para ela ir lá para as duas conversarem. Talvez aquilo não desse em nada, mas agora ao menos eu tinha feito a minha parte, tentando abrir a mente de Andrea para o namoro da filha.

Logo depois de encerrar aquela conversa, liguei para casa para avisar a Clara  que tinha falado com Andrea, deixando-a mais tranquila.

- Obrigada, Helena  – ela murmurou, ficando em silêncio por pouco tempo. – Alguma novidade sobre a liberação da estrada?

- Só ao final da tarde, pelo que me falaram.

- Hum... Bem, então eu vou logo me organizar para ir embora. Você se incomoda se eu preparar o seu jantar? Não estou fazendo nada aqui mesmo então achei que... Bem, se você não se incomodar, posso fazer algo,

Fiquei alguns instantes em silêncio. Não pensando naquela pergunta, embora estivesse a ponto de dizer que ela estava sendo absurda por achar que eu iria me aborrecer se ela fizesse o meu jantar. Mas o que eu pensava nada tinha a ver com aquela pergunta. A minha mente, na verdade, estava bem longe, e longe permaneceu por alguns segundos mais, até que me dei conta de que com Andrea, deixando-a mais tranquila.

- Obrigada, Helena  – ela murmurou, ficando em silêncio por pouco tempo. – Alguma novidade sobre a liberação da estrada?

- Só ao final da tarde, pelo que me falaram.

- Hum... Bem, então eu vou logo me organizar para ir embora. Você se incomoda se eu preparar o seu jantar? Não estou fazendo nada aqui mesmo então achei que... Bem, se você não se incomodar, posso fazer algo.

Fiquei alguns instantes em silêncio. Não pensando naquela pergunta, embora estivesse a ponto de dizer que ela estava sendo absurda por achar que eu iria me aborrecer se ela fizesse o meu jantar. Mas o que eu pensava nada tinha a ver com aquela pergunta. A minha mente, na verdade, estava bem longe, e longe permaneceu por alguns segundos mais, até que me dei conta de que Clara  ainda estava à espera de uma resposta, e talvez a minha demora em falar fizesse com que ela interpretasse meu silêncio de forma errada.

-Clara , você poderia me esperar chegar em casa?-perguntei por fim. – Nós precisamos conversar.

xxxxxx
Falta pouco pra acabar!
Volto essa semana!
Happy new year 🎊🕛

Sweet sin (Doce Pecado) - Clarena Onde histórias criam vida. Descubra agora