8. Segundo Ato.

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''Os mortos só podiam falar pela boca dos que ficaram e pelos sinais que deixaram espalhados para trás.''

Robert Galbraith

O Chamado do Cuco

Apesar de eventualmente ter conseguido dormir depois da improvável visita do próprio Batman em carne, osso, músculos e assustadora máscara, Britta acordou mais uma vez péssima e muito mais cedo do que o necessário. Depois de reviver dolorosas memórias e chorar tantos, era de se esperar a enxaqueca que lhe martelava a têmpora direita. Se perguntava quantas visitas inesperadas e indesejadas teria até finalmente ter um surto.

Ainda faltavam duas horas para seu despertador tocar, duas horas para sua segunda-feira começar, mas não conseguiu voltar a dormir. Tomou um analgésico e voltou a se deitar. Quando fechou os olhos lembrou de Kevin e como quem evita um pesadelo abriu os olhos novamente.

''Isso você pergunta a ele.''

Ela havia esquecido aquele passado tão bem que ainda não entendia como se sentia em relação a seu irmão criminoso e, aparentemente, perigosamente instável mentalmente. A ideia de ir ao Asilo Arkham visitá-lo era tão louca para Britta quanto o pensamento de que ele estava tão próximo. 

— Não... — gemeu manhosa massageando os olhos e se espreguiçando na cama feito criança.

Que mal faz?

— Isso é tudo passado! Não importa mais! — respondeu ao pensamento.

Olhando o relógio viu que não haviam se passado nem mesmo vinte minutos desde que acordou e tomou o analgesico. Aparentemente o tempo decidiu lhe torturar também. Só queria ir trabalhar, distrair sua mente com as novidades do projeto em que agora fazia parte e acima de tudo: se livrar do maldito pendrive. De bônus tinha uma desculpa para ver Lucius Fox novamente.

Aquele dia tinha tudo para ser animador e emocionante e, no entanto, se sentia em algum tipo de pesadelo. Pensou em Gordon e na possibilidade dele divulgar o caso do seu sequestro para a mídia que com certeza a associaria ao massacre de 97. O que Ethan faria? O que Lucius Fox diria? Só podia torcer pra que nada disso vazasse, não naquele momento tão importante de sua carreira. No geral, Britta sempre gostou do silêncio, da discrição e o quanto é possível se conquistar dessa forma. Detestava a invasão de privacidade de ter o holofote sobre si.

Com o passar das horas a dor aliviou, mas já em seu escritório, sua cabeça continuava fervilhando de preocupações em torno do Coringa, a polícia, Ethan, Lucius e Kevin. Como chegou àquele ponto, era o que se perguntava. Como deixou aquilo acontecer?

— Tá se fazendo de surda? — o grito a fez pular na cadeira.

— Como é? — perguntou irritada ao narigudo que tinha os olhos arregalados de incredulidade.

Estava tão no automático e mergulhada em suas preocupações que foi como se tivesse sido abduzida da cama para o escritório. A presença desagradável de Pine lhe acordou bruscamente para a realidade.

— Eu estou te chamando a algum tempo... — Patrick Pine tinha as mãos apoiadas ao quadril, sua coluna curvada para frente, o terno desajeitado tornando sua imagem mais desagradável aos olhos de Britta. — ...Mas parece que você está no mundo da lua!

— Senhor Pine — agora ela encarou as entradas no cabelo ralo e castanho do homem à sua frente —, como te ajudo essa manhã? — sorriu educadamente ao vê-lo ajeitar os fios, desajeitado e desconcertado com a encarada de Britta naquela região do seu cabelo.

EU TE VEJO - Um romance com o Coringa.Onde histórias criam vida. Descubra agora