03.

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Quando retornei à consciência, a primeira sensação foi deitar em uma superfície notavelmente macia, muito mais confortável do que o colchão de ar que compartilhava com Josh na barraca. Abri os olhos devagar, ajustando-me à intensa luminosidade do ambiente. Diante de mim, a primeira coisa que fui capaz de ver foi um dossel, lembrando uma cama de princesa, que se erguia sobre o leito onde repousava, seguido de um teto bege.

Esperei sentir a dor de todos os machucados que eu havia adquirido, mas todas as dores que percorriam meu corpo anteriormente haviam desaparecido. Ao me sentar, com certo esforço, dei de cara com um Josh de cabelos cortados e uma camiseta laranja, sentado aos pés da cama, fixando-me com atenção.

Por trás das camadas de sujeira da vida nas ruas, pude perceber que ele era jovem, aparentemente da minha idade, com pequenos chifres acima da cabeça e pernas que ainda me pareciam um enigma tão grande que parecia um sonho. Olhei para mim mesma e notei que usava uma espécie de camisola hospitalar. Ao redor, identifiquei que estávamos em uma espécie de enfermaria. A ideia de estarmos mortos passava pela minha mente.

— Calma, calma… — Josh aproximou-se quando percebeu minha expressão confusa. — Sei que nada disso faz sentido para você agora, mas eu prometo que vai fazer.

Olhei para ele com uma mistura de estranheza e curiosidade quando outra pessoa adentrou a enfermaria. Era uma garota de cabelos escuros e cacheados, vestindo a mesma camiseta que Josh. Ela trazia algumas peças de roupa e sorria amistosamente para mim, colocando-as sobre uma cadeira.

— Fico muito feliz em ver que você acordou, chegou aqui em um estado muito complicado. — ela disse. Gostei dela logo de cara. — Trouxe uma muda de roupas, tenho certeza que você deseja se trocar… — ela continuou, e eu concordei com a cabeça. Ela virou a cabeça na direção de Josh. — Vou avisar a eles que ela acordou, e é muito provável que eles queiram falar com ela também. Aproveite esse tempo.

Josh assentiu e ela saiu em seguida.

— Vista-se, Agnes, nos encontraremos lá fora para conversar. — Ele instruiu, e eu concordei, erguendo-me da cama.

***

Sentados em bancos macios do lado de fora da enfermaria, meu cérebro parecia prestes a explodir a qualquer momento.

Diante dos meus olhos, um acampamento enorme se estendia, com crianças e adolescentes vestindo camisetas laranja, semelhantes às nossas, graças à ajuda da gentil menina da enfermaria. Esses adolescentes brincavam de lutar com armas como espadas, flechas, escudos e arcos, enquanto muitas ninfas, sátiros e pégasos se uniam às brincadeiras. E, para adicionar à confusão, Josh estava ao meu lado, desenrolando a história mais maluca que já ouvi na vida.

— Foi basicamente isso o que aconteceu. Uma deusa grega desceu dos céus, conheceu seu pai, e você foi entregue na porta dele e de sua avó assim que nasceu. — ele concluiu sua longa explicação sobre semideuses, observando minha expressão de extrema confusão. — Suponho que tenha algumas perguntas...

— Minha única pergunta é como você conseguiu pregar uma peça dessas em mim... — indaguei, apontando ao redor, ainda incrédula com tudo que via e ouvia. Ele suspirou.

— Acha que estou brincando, não é? — questionou, e concordei com a cabeça. — Pois eu não estou, Aguie. Lembra das coisas estranhas que você fazia e não conseguia explicar como? — ele prosseguiu, e balancei afirmativamente a cabeça novamente. — Isso é por causa da sua herança divina. Sei que é difícil acreditar, parece sem sentido, mas estou falando a verdade. Olha só esse lugar, afinal!

Meu cérebro parecia prestes a entrar em pane. Mil pensamentos passavam pela minha cabeça, e alguns pontos da história maluca começavam a fazer sentido, oferecendo uma explicação razoavelmente lógica sobre tudo que acontecera comigo. Porém, ainda tinha dúvidas.

— Há quanto tempo você sabe que sou uma semideusa? — indaguei, iniciando a sessão de perguntas.

— Desde a primeira vez que coloquei os olhos em você. — ele respondeu, vendo minha confusão e explicando. — Estava na minha primeira missão para trazer semideuses para o acampamento, e meu primo, Grover, disse que muitos acabam nas ruas, um bom lugar para procurar. No Brooklyn, nas primeiras semanas, te conheci e soube de cara o que você era. Me aproximei para ser seu amigo e te manter segura.

— Você... Foi você que matou aquele monstro no mercadinho, certo? — indaguei, e ele afirmou com a cabeça.

— Era uma Fúria, torturadora de Hades. Surpreendi por vê-la ali... — ele disse, suspirando. — Não morreu de fato. Às vezes, monstros são derrotados, mas não morrem; vão para o submundo e se regeneram para voltar... bem mais furiosos.

Senti um arrepio percorrer minha espinha.

— Acha que aquele monstro pode vir atrás de mim? — perguntei.

— Provavelmente, e não só ele, mas outros monstros mitológicos que são atraídos por semideuses. Por isso, é importante ficar no acampamento e treinar para se defender quando eles aparecerem. — ele disse, dando-me um tempo para digerir as palavras antes de se levantar e estender a mão. — Depois eu tiro outras dúvidas, mas agora preciso te apresentar aos diretores e fazer um tour pelo acampamento. Vem.

***

Fui conduzida por Josh até uma saleta com janelas coloridas ao redor da grande casa em que estávamos. Ao adentrar o espaço, deparei-me com dois homens jogando cartas diante de uma mesa. Um deles tinha cabelos grisalhos um pouco longos, vestia uma camisa de botões com uma estampa que lembrava um tigre e parecia ser, de longe, o melhor jogador de baralho que já vi, embora eu não conseguisse entender por quê tinha essa impressão.

O outro homem não era exatamente um homem, era metade homem, metade cavalo; um centauro. Sua parte humana exibia um homem de pele escura e um casaco estilo paletó, enquanto a parte inferior era a de um corcel negro.

— Olha só, parece que nossa recém-chegada campista acabou de acordar. — disse o centauro enquanto nos aproximávamos, seu tom de voz suave e quase paternal. Sorri minimamente para ele. — Eu sou Quíron, diretor de atividades do acampamento, e este aqui é o senhor D. — apontou para o homem com a camisa estampada de tigre sentado ao seu lado.

— E aí, menina. — o homem disse sem nem mesmo erguer os olhos das cartas. Não fiquei com uma boa impressão dele de imediato.

— Eu sou a Agnes. — disse, sentindo uma estranha timidez na presença dos dois.

— Nós sabemos quem você é, Angelina... — disse o tal senhor D.

— Agnes. — corrigi rapidamente, sentindo Josh apertar suavemente meu braço. Olhei para ele. — O que foi?

— Hum... O senhor D é o diretor do acampamento, e também o deus Dionísio... — explicou Josh e senti um arrepio. Um deus ali, diante de mim, com seus cabelos grisalhos, sua coca diet e camisa com estampa de tigre. — Eu queria que você a conhecesse antes de fazermos um tour.

— Ótimo trabalho, Josh, o sátiro inteligente, filho de Atena. — Quíron elogiou Josh, e vi as bochechas do meu melhor amigo ficarem levemente vermelhas. — Leve-a para o tour.

— Sim, senhor. — respondeu Josh prontamente, virando-se para mim e indicando a porta com a cabeça. — Vamos então? — perguntou, e concordei com a cabeça.

Saímos daquela sala em seguida, mas antes de seguirmos pela trilha, olhei para trás e vi aqueles dois "homens" extraordinários voltando a jogar cartas como se nada tivesse acabado de acontecer.

***
NOTAS DA AUTORA.

Oiê! Feliz ano novo! 🫶🏻
O que acharam do capítulo de hoje?

𝐓𝐇𝐄 𝐋𝐄𝐆𝐀𝐂𝐘 • Clarisse la Rue.Onde histórias criam vida. Descubra agora