O corvo

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A noite parecera se arrastar como um cadáver de um morto vivo lutando para sair de sua cova.
Ranpo havia caído no sono e sonhado com Poe e suas ações de mais cedo, depois do jantar eles tiveram que se despedir momentaneamente e esperar que todos se recolhessem, para se encontrarem novamente.

O som de pequenas bicadas na janela o fez despertar de seus devaneios e ele escutou o grasnar de um corvo, levantou-se para ver o pássaro negro que o observava do parapeito da janela com olhos profundamente curiosos, ele riu e colocou algumas migalhas do pão que restaram de sua ceia. O animal comeu faminto e quando terminou permaneceu ali silencioso em um ato de gratidão pela pequena refeiçao fornecida.

Duas batidas soaram na porta e Ranpo se apressou em atende-la. Poe se adiantou e ele fechou a porta atrás dos ombros.

O homem pareceu notar o corvo e arqueou a sobrancelha Intrigado.

O que é isso? -Perguntou dirigindo-se a janela.

-Ora, é um corvo. Não está meio obvio? -Ranpo perguntou.

-Isso eu sei. O que eu quero saber é como ele veio parar aqui? -Poe se aproximou vagarosamente da ave.

-Voando, eu suponho. -O detetive deu de ombros.

-O que quero saber, é como você o mantém tão calmo... -O escritor estendeu a mão e ave se aproximou.

-Isso é... uma pergunta curiosa, mas ele também não fugiu quando viu você. E ainda por cima o deixa tocá-lo.

-Claro que não. Ele é meu, afinal. -a ave se empolerou no braço de Poe.

-Sério? e qual o nome dele. - Ranpo parecia genuínamente interessado

-Nome?

-É, nome. Você não o chama de O Corvo, não é?

Poe permaneceu silencioso..

Ranpo riu baixinho.
-Parece a minha avó. -O outro franziu o cenho.

-Mas vamos ao que interessa, senhor corvo.
Ele sentou-se sobre a cama e cruzou as pernas, deixando os tornozelos e o peitoral levemente exposto pelo robe que usava.

O outro engoliu em seco. De certa forma Poe sentiu que era errado olhar, mesmo depois de tudo o que acontecera. Que seja! Ele pensou que um erro a mais ou a menos não faria tanta diferença assim. Desfrute.

-O que descobriu? -Ranpo perguntou pouco convencido.

Poe se aproximou e sentou do lado do detetive. Suas coxas roçaram-se levemente.

- Sei que disse que não conseguia fazer nenhuma associação... Mas observando bem... alguém aqui, não é quem diz ser. A questão é, quem e porque?

O escritor refletiu acariciando a cabeça do pequeno corvo.

-Há duas suposições: Alguém quer vingança.
Alguém já conseguiu vingança. -Concluiu.

Ranpo sentiu um brilho escapar de seu olhar.
E observou atentamente os olhos por debaixo daqueles cachos escuros.

-Absolutamente esplêndido. -Ele não sabia se estava falando da beleza sobrenatural do outro ou de suas capacidades de observar e formar linhas corretas de raciocínio. Poderia muito bem ser as duas coisas.

-Por que está tão interessado? -O outro perguntou como se não fizessem sentido.

-Ora. Por que me contrataram! E eu acho que tudo aqui parece meio premeditado. Quase como se fosse uma enorme peça teatral. -Explicou.

Por instante Ranpo viu a sombra de um sorriso se formar no rosto do outro, mas esta logo desapareceu.

-Eu suponho que o senhor logo há de resolver este mistério. Quanto a mim devo retornar para os meus aposentos.

-Deve? -Perguntou.

-Certamente que devo! Não quero nenhum outro mordomo desmaiando por nossa causa.

-É tão simples trancar a porta, não é? -O escritor engoliu em seco.

-Você tem razão... Mas... Devemos levar isso adiante?
Quanto tempo teremos antes de você partir? -Perguntou por fim.

Ranpo deu de ombros...

-Isso não é algo que eu tenha como saber... Mas não precisa transformar o futuro num tormento presente... Você pode apenas aproveitar o que tem agora... Se temos de sofrer que seja pelo menos, por algo que foi bom. -Ele estava próximo agora.

O corvo havia se empoleirado na escrivaninha e parecia dormir profundamente.

-Você... Tem razão... É tão impressionante... Como me faz questionar tudo o que eu acho que já sei... Se eu não te amasse tanto, chegaria a ser completamente irritante.

Poe percebera que aquelas palavras haviam sido profundas demais e foram ditas em um momento em que as coisas pareciam muito incertas.

Sentiu suas bochechas queimarem e a face arder de vergonha... Deu alguns passos para trás...

Ranpo pareceu refletir...
-Agora nós temos um problema...

Poe permaneceu em silêncio sentindo seu estômago revirar e o coração apertar.

-Como eu poderia deixá-lo sabendo que esse sentimento é recíproco? -O outro piscou, sentindo algo como esperança crescer dentro dele.

Ranpo se aproximou e o envolveu em um abraço, repousando a cabeça em seu peito... O coração do outro batia descompassado...

Ele deu uma risadinha...

-Quem diria que alguém tão sério como você é capaz de sentir as coisas tão profundamente... Mas eu sempre soube, que havia uma parte sua que ninguém mais conhecia... E devo admitir que eu me propus a escavar cada parte de você até chegar nesse lugar.

Ele respirou segurando o queixo do outro.

-E devo dizer que eu não quero mais sair de lá...

Poe deslizou suas mãos puxando-o para mais perto, e encarando os olhos do outro, sorriu.

Eles estavam cheios de paixão... E era tão difícil encontrar amor e paixão na mesma pessoa...

Ele tinha sorte... Ou Talvez fosse destino... O escritor não sabia dizer no que acreditava realmente... Apenas que... Eles estavam alí... E o sentimento entre eles era real...

Não que ele nunca tivesse amado. Mas todas as vezes que fizera isso... O fizera sozinho.

-Eu sou o poeta aqui... -Ele murmurou segurando o rosto de Ranpo, antes de plantar um beijo doce em sua testa...

-Então me escreva... - O outro sorriu, sabendo que Seria uma tarefa impossível.

-Posso tentar... Embora eu saiba que jamais me aproximaria em um mero esboço do que você realmente representa para mim...

-Agora... Me deixe...prová-lo...

Ranpo fechou os olhos ciente de que não havia mais nenhum segredo entre eles... E com um suspiro profundo de satisfação ele sorriu.

Naquela manhã do outro dia ele exporia tudo.
Mas será que o resultado era o esperado?
Ele tinha certeza que não.
Seria uma surpresa e tanto para todos, mas principalmente, para o homem a quem ele amava e se entregava... Edgar Allan Poe.

O seu querido corvo.

A Máscara da Morte VermelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora